domingo, 23 de julho de 2017

Poema de Liu Xiaobo, para sua mulher...

Por mais alienado que você seja, com certeza deve ter ouvido falar, nestes últimos meses, do chinês Liu Xiaobo, prêmio Nobel de literatura (ou melhor: da paz) e prisioneiro político na China, morto no último dia 13. 
Nesta manhã de domingo ao cruzar com o mendigo K. numa das inúmeras feiras populares aqui da cidade, ele me passou um manuscrito a lápis, de meia página, dizendo que o havia ouvido na TV e por curiosidade, anotado. Só fui perceber agora, depois do almoço, que se tratava de um poema que o prisioneiro Liu Xiaobo havia escrito da prisão para sua mulher Lia Yia. O texto é impressionante. Durante a leitura, aqueles que já circularam por Beijing e por Shangai desfrutarão de uma interpretação e de um sentimento especial. 
Que os leitores, além da estética, do romantismo e do desespero do poema, também prestem atenção ao nível a que pode chegar a subserviência, a idealização e a miséria masculina em relação à existência e ao corpo feminino. Escreve o poeta:

[Sou seu prisioneiro por toda vida, meu amor
quero viver dentro de você
sobrevivendo com seu sangue
inspirado pelos seus hormônios
Ouço seu coração bater
gota a gota
como neve derretida descendo a montanha
Se eu fosse uma rocha dura de um milhão de anos
você me atravessaria
gota a gota
Dentro de você tateio no escuro
e uso o vinho que você bebeu para escrever poemas sobre você
Deixe a dança do amor intoxicar seu corpo
sempre sinto seus pulmões  subindo e descendo quando você fuma num ritmo incrível você exala minhas toxinas
eu inalo o ar fresco que nutre minha alma
Sou seu prisioneiro por toda vida meu amor
como um bebê que não quer nascer
Agarrado ao útero quente
você me dá todo oxigênio
toda serenidade
Um bebê prisioneiro nas profundezas de seu ser
sem medo do álcool e da nicotina
os venenos da sua solidão
Preciso dos seus venenos
preciso deles demais
Talvez como seu prisioneiro
eu nunca veja a luz do dia
mas acredito que a escuridão é meu destino
Dentro de você tudo está bem
o brilho do mundo lá fora me assusta e me exaure
Eu foco na sua escuridão
simples e impenetrável...]
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Observação: Duvido que a Lia Yia tenha acreditado que o poema foi feito para ela. Onde estaria a mãe do prisioneiro? 
Não resta dúvidas de que o pedaço de frase mais eloquente, mais delirante e patológico é este: "sou um bebê prisioneiro nas profundezas de seu ser sem medo do álcool e da nicotina
os venenos da sua solidão. Preciso demais dos seus venenos."




Um comentário:

  1. http://veja.abril.com.br/economia/iluminador-vaginal-cria-polemica-sobre-ideal-de-corpo-perfeito/

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