sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Rua do Alecrim número 19...

Quem tomar um comboio, saltar no Cais do Sodré e caminhar até a rua do Alecrim, 19, vai deparar-se com uma discreta inscrição nos vidros de uma porta indicando que ali é a PENSÃO AMOR. (Pensão do amor) . Atualmente uma casa noturna de shows, teatro burlesco, comidas, música 'brasileira", pinturas como as da capela sistina, luzes vermelhas, escadas insinuantes que levam ao segundo ou terceiro andar onde "aluga-se quartos" e onde uma das salas de fundo é reservada a uma "livraria erótica". Coleção privada do proprietário. Veja-se fotos abaixo, feitas com um miserável celular. No passado, não apenas este prédio, mas a rua inteira era um puteiro. Agora, tudo foi dominado pela mediocridade das famílias, do pudor e da moral. De vez em quando se pode encontrar uma ou outra senhora, antigas profissionais que foram despedidas e que agora perambulam como fantasmas por aí, em busca, quem sabe, dos antigos clientes. Umas, destruídas pela putaria do tempo, sobem lentamente a ladeira sem saber para onde ir, outras descem em direção ao Cais mas estacionam fatigadas na Praça do Duque da Terceira onde o funcionariozinho de um restaurante lava a calçada onde os mendigos cagam durante a noite... Prestei atenção numa delas que levava uma mala daquelas de madeira que acompanhavam os portugueses das caravelas. Tinha ainda as mãos saudáveis, os olhos ainda maravilhados de tantas noitadas. Olhou-me de tal maneira e tão amorosamente com sua astucia e nobreza de puta aposentada... que por pouco não depositei a seus pés a minha carteira e meu passaporte... Quando voltou de seu breve trottoir, colocou uma de suas mãos malandras sobre meu ombro e exibindo-me o livro HÚMUS de Raul Brandão (Um dos grandes da literatura portuguesa) que estava lendo e passou a recitar-me este pequeno trecho, com um vigor e uma arrogância admirável:  "A vida é só isso? Por mais que queira não posso desfazer-me de pequenas ações, de pequenos ridiculos,  não posso desfazer-me de imbecilidades. Tenho de aturar ao mesmo tempo essa idéia e esse gesto ridiculo. Tenho de ser grotesco ao lado da vida e da morte. Mesmo quando estou só o meu riso é idiota. E  estou só e a noite.  Por trás daquela parede fica o céu infinito. Para não morrer de espanto, para poder com isto, para não ficar só e doido, é que inventei a  insignificância, as palavras, a honra e o dever, a consciência e o inferno..."

























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