domingo, 30 de outubro de 2016

Addio Itália... Saldo de férias...

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Admitindo que eu consiga embarcar esta noite Roma/Rio, e que o avião não despenque no Oceano Atlântico o saldo desses quinze dias de férias foi: 2 terremotos, uma greve de trens e um overbookings. É evidente que eu ou a Itália precisamos, com uma certa urgência, consultar um Pai de Santo... Mas, além disso, houve a aquisição dos seguintes livros que me manterão por uns bons dias ocupado:

1. Il barboncino di Schopenhauer, autoria de Helme Heine, publicado por Antonio Vallardi Editore, Milano 2016.

2. Comunisti contro classe operaia (la fine di un mito), gioacchino Santanche, Associazione Culturale Editrice ( ?)

3. Come sopravvivere all'andropausa, Paul de Sury, Imprimatur, 2016, Regio Emilia.

4. Klaus Kinski - Del Paganini e dei Capricci, Stefano Loparco, Edizioni IL FOGLIO, Roma 2015

5. Gerontocrazia (Il sistema economico che paraliza L'italia), Sandro Catani, Garzanti libri, Itália, 2014

6. Dizionario della musica classica italiana (Piccola biblioteca delle arti) Gremese Editore, Roma 1988

7. Um violino per papa francesco, Leopoldo Gasbarro, Paoline Editoriale Libri, Roma 2016

8. Il replicante di sigmund Freud, Barry N. Malzberg, Mondadori Libri, Milano, 2016

9. Pensieri, Agostino d'lppona (a cura di Carlo Cremona), Il edizione Tascabili Bompiani, Milano 2010.

10. Aforismi sulla stupidità umana, Marco Taisa, Barbera Editore, Siena 2010

11. Vecchia Roma, Piero Scarpa, Edizioni Colosseum, Roma 1988.

12. A letto con i filosofi, Maurizio Zani, Edizioni Riza, 2012.

13. Ma il mondo, non era di tutti? A cura de Paolo Nori, Lettori/marcosymarcos, Milano 2016.

14. Elogio della rebellione, Lamberto Maffei, Il mulino, Bologna, 2016.

15. Distruggere il passato (L'iconoclastia dall'Islam all"Isis, Maria Bettetini,  Raffaello Cortina Editore, Milano 2016.

16. Il mio amico Hitler, Yukio Mishima, Ugo Guanda editore, Milano 2016.

17. Lavoro, Stefano Massini, Il mulino, Bologna, 2016. 

18.  Gli sdraiati, Michele Serra, Giangiacomo Feltrinelli Editore, Milano, 2013




Gerontofilia ou gerontofobia...


"LA GLORIA È IL SOLE DEI MORTI..."
H. de Balzac

É necessário mudar a estratégia de respeito, de deferência, de acolhimento social e até de culto que se está dispensando neuroticamente aos velhos, muito mais por culpa do que por humanismo.
De tantas prioridades, benefícios e preferências que se está dando a esses senhores da TERCEIRA OU DA MELHOR IDADE - como hipocritamente se costuma dizer -, eles estão perdendo a noção de limites.
Mesmo os que passaram a juventude inteira só fazendo merda, roubando, pisoteando e tiranizando todo mundo ao seu redor, agora, com bengalas luxuosas fazem pose de coitadinhos por aí, andam esbarrando em todo mundo, furando filas, assoando o nariz na nossa cara, pegando as melhores mesas nos restaurantes, os melhores lugares nos aviões, peidando nos trens, colocando a bengala sobre nossos calos, opinando e dizendo besteiras sobre tudo e sobre todos sem que ninguém se atreva a freiá-los. E isto, sem falar daqueles que fingindo uma certa demência sempre que podem gostam de esfregar o traseiro ou os cotovelos um palmo abaixo de nosso umbigo...

As vantagens do tal Overbooking...

Encontrei o mendigo K. na entrada do aeroporto Fiumicino. Estava chegando num ônibus da Alitália (Staff Express - T5) que faz o trajeto aeroporto 
/Hotel Hilton Garden. Fiquei surpreso, mas ele foi logo se explicando: Eu devia ter viajado ontem a noite, mas esses putos venderam mais bilhetes do que era possível e me obrigaram a ficar mais uma noite aqui. Já ouviu falar do tal Overbooking? Sim, fiquei ali num hotel de nome esquisito: Hilton. Ficar ali por uma noite me fez entender e responder para mim mesmo e para muitos fodidos que há muito tempo se fazem a mesma pergunta que eu: Por que é que os políticos e outros corruptos querem tanto dinheiro? RESPOSTA: para se hospedar no Hilton. Porque já dormiram nas camas do Hilton, já comeram os raviolis com espinafre e ricota do Hilton, já tomaram banho no Hilton. Usaram as toalhas, o shampo e o papel higiênico do Hilton. Aliás, por ironia, o papel higiênico não é branco como o que se usa normalmente, mas de um marron claro, com umas rosas em baixo relevo. A cama é estupenda (dispensa até o rivotril), a claridade é regulável, o son é sutil (hoje pela manhã, quando começou o terremoto, (7.1) estava tocando Vivaldi) e até o barulho da descarga lembra as fontes internas do Vaticano. O banheiro em granito que vai do preto ao cinza com suas toalhas quase do tamanho de lençóis e praticamente meia dúzia penduradas por todos os lados, um vaso especial e bizarro para se lavar o rabo, material para chá, travesseiros com penas de alguma ave tropical em extinção, tudo em silêncio e tudo sutilmente perfumado... Tudo uma maravilha de outro mundo! E pela manhã, ao invés de se ouvir casais brigando nos quartos vizinhos, como nas espeluncas, aqui só se ouve gemidos ou a voz quase musical das japonesas milionárias...Como?, te pergunto, querer com discursos moralistas, indigentes e etc, fazer os corruptos, suas amantes e seus familiares se regenerarem? Ora!, que os juízes, os padres e outros miseráveis idealistas e lunáticos moralistas abandonem esse projeto idiota. Abandonar a corrupção, para esse pessoal que conhece o Hilton é como um projeto suicida, é como abandonar a vida! É como algo impensável...
Me disse tudo isso com um certo ar de felicidade e depois continuou: sinceramente, eu estava precisando deixar meus pés de molho, usar um sabonete, fazer um relax, fazer uma boa ceia... a única coisa que me deixou chateado foi que para ficar a altura dos hóspedes de lá, revirei minha mochila para encontrar uma camisa limpa e nova que comprei por 13 euros na estação de Términi, mas descobri que a camareira da espelunca anterior onde estive deve tê-la roubado para seu cafetão... 
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Observação: Hoje de manhã, - continuou - quando começou o terremoto e ouvi as mulheres japonesas correndo pelos corredores, pensei em sair correndo também, mas estava no banho e com aquela "incomoda" ereção matinal... Quê iriam dizer as delicadas e puritanas orientais se me vissem dessa maneira e em disparada pelos corredores?

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Roma: cidade santa, povo infiel... (Como diria Niccolò Paganini) 2


Este mendigo da Romênia ficou extremamente comovido quando soube que eu conhecia o famoso Cemitério Feliz de Bucareste. Enquanto beijava a moeda de dois euros que lhe dei, recitou esta frase de Jacques Lacan: "Un uomo che si crede un re è folle, un re che si crede un re non lo è di meno..."







ROMA: cidade santa, povo infiel... (Como diria Niccolò Paganini)

Independente do terremoto, chegar a Roma é sempre um alivio. Aqui, mesmo que se saiba que com um de 6.8 tudo pode vir abaixo como em qualquer aldeia, sempre se tem a ilusão de eternidade... E depois, assim que saltei do trem vi meu hotel soberbo e intacto. O elevador de 50 antes de Cristo funcionou sem problemas e a camareira deu de ombros e fez pouco caso quando lhe perguntei se, durante os tremores, havia mijado nas calças... 
Fingiu uma coragem de Messalina e passou a recolher os travesseiros que estavam sobre um balcão para depois verbalizar esta pérola de erudição, sem muito sentido para aquele contexto: "... bem que na ficção de Dante ele colocou o inferno e o purgatório antes do paraíso... E foi pensando nisso, talvez, que Churchil recomendava: "se você perceber que está no meio do inferno, siga adiante..."
Peguei a chave do 407 e rumei para o andar de cima com o sentimento de que minha indelicadeza havia valido a pena...
Roma parece uma quermesse. Há gente como nunca se viu e vinda de todos os lados do planeta. No Coliseo, no Vaticano, no Pantheon, naquela fonte que se joga moedas então, os rebanhos parecem coisa de outro mundo... Não há duvidas de que a humanidade está ficando cada vez mais idiotizada... O metrô está igual ao da Índia e a polícia não se cansa de prevenir: cuidado com os batedores de carteira!!!
Com tanta encheção de saco, fico realmente em alerta para, eu próprio, não acabar roubando a carteira de alguém...
Mas, por sorte, no meio daquela manada e no mesmo vagão onde eu estava, entrou um violinista cigano tocando uma bella cancione da Romênia...
A mendiga (da foto acima) que na semana passada estava lá no Coliseo, hoje está ali nos arredores da Piazza de Spagna. Toda vez que a fotografo ela jura que me amaldiçoará para sempre. Mas seus olhos não me convencem. Ainda a convidarei para tomar um capuchino com um corneto... Enfim, digo tudo isso, mas sem esquecer daquilo que dizia o neurótico Wittgenstein: "Gli oggetti formano la sostanza del mondo..."
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quinta-feira, 27 de outubro de 2016

O terremoto e Marinetti 2.








Como estava previsto, o dia amanheceu estupendo, com o sol batendo de leve sobre as vidraças e o casal do outro lado da rua regando seus crizantemos com garrafas de vidro...... Nenhum sinal do terremoto e nem da paranóia noturna... 
Os cozinheiros já estão exibindo seus menus na entrada das tabernas, as três balzaquianas que fazem ponto no início da ponte já estão lá com seus vestidinhos de colegiais e os sinos lá da Piazza Duomo já anunciam que são 8 da manhã. Não se vê rachaduras nas paredes, nem guindastes retirando velhinhos pelas janelas dos prédios e nem funerárias com a sirene ligadas. Aliás tenho quase certeza que as sirenes foram inventadas pelos italianos.... Claro, é perceptível que todo mundo esta mais ansioso e falando mais alto do que o comum, mas isto, por aqui, é verdadeiramente previsível e incurável... Há filas nas bancas, isto sim, e os jornais já se esgotaram... Os adivinhos com seus sismógrafos, fascinados por tudo o que lembre o apocalipse deixam no ar a possibilidade de haver um novo terremoto e, claro, bem mais respeitável...Um padreco histérico já apareceu nos noticiários soltando cafajestadas metafísicas com aquele papo que se não morreu muita gente foi por puro milagre! Milagre um cazzo! Por que o milagre não aconteceu antes?  Enfim, tudo normal. O trem para Roma já apareceu no painel e encostará no binário 1
Entre um grupo de pessoas mais exaltadas identifiquei o mendigo K. Ouvia com atenção as orientações dadas por um policial, caso o terremoto se repetisse. Eu não estava muito próximo mas o ouvi retrucando ao policial: 
O quê? Enfiar-me em baixo da cama? Isto não! 
Prefiro que me caia uma tonelada de concreto sobre os miolos...

O terremoto e Marinetti...

Quatro e catorze da madrugada. 
As televisões não param de mostrar escombros, não daqui de Padova, mas das regiões verdadeiramente afetadas pelo terremoto! Tenho curiosidade em saber se meu hotel em Roma, ficou em pé. Que seria da mídia sem o balbuciar frequente da natureza? Um cheiro forte de pão ao chocolate. Decido ir para a rua...Um idiota passa numa lambreta em alta velocidade. O porteiro me previne que a rua, a esta hora, oferece mais perigos do que um simples terremoto. Além do mais, o frio que sobe do rio congela rapidamente os joelhos...Vejo que um grupo de paranóicos está estacionado no principio da ponte que fica a uns 100 metros do hotel... Olham para o alto e para o nada, como se o céu e o nada fossem um imenso sismógrafo... Gostariam de saber a que hora será o novo tremor... Sou tentado a olhá-los com desprezo, mas penso: mais vale um paranóico vivo do que um corajoso soterrado!... Padova é uma das cidades mais fascinantes da Itália. Seu mercado é uma maravilha, sem falar das bodegas, da arquitetura, da universidade, das ruas estreitas, das meninas que vão pedalando... pedalando... pedalando...
Quando senti a cama se movendo temi de imediato pela beleza desta cidade... Mas logo em seguida, meio envergonhado, pensei num fragmento do Manifesto Surrealista de Marinetti (escrevi surrealista, mas é futurista):

"Já não há beleza senão na luta. Nenhuma obra que não tenha um carácter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças ignotas para obrigá-las a prostrar-se ante o homem.
  Estamos no promontório extremo dos séculos!... Por que haveremos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? 
O Tempo e o Espaço morreram ontem. Vivemos já o absoluto, pois criamos a eterna velocidade omnipresente.
Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de todo o tipo, e combater o moralismo, e toda vileza oportunista e utilitária. Cantaremos as grandes multidões agitadas pelo prazer ou pela sublevação; cantaremos a maré multicor e polifônica das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor nocturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas eléctricas: as estações insaciáveis, devoradoras de serpentes fumegantes: as fábricas suspensas das nuvens pelos contorcidos fios de suas fumaças; as pontes semelhantes a ginastas gigantes que transpõem as fumaças, cintilantes ao sol com um fulgor de facas; os navios a vapor aventurosos que farejam o horizonte, as locomotivas de amplo peito que se empertigam sobre os trilhos como enormes cavalos de aço refreados por tubos e o voo deslizante dos aviões, cujas hélices se agitam ao vento como bandeiras e parecem aplaudir como uma multidão entusiasta.

É da Itália que lançamos ao mundo este manifesto de violência arrebatadora e incendiária com o qual fundamos o nosso Futurismo, porque queremos libertar este país de sua fétida gangrena de professores, arqueólogos, cicerones e antiquários.
Há muito tempo que a Itália vem sendo um mercado de belchiores. Queremos libertá-la dos incontáveis museus que a cobrem de cemitérios inumeráveis.
Museus: cemitérios!... Idênticos, realmente, pela sinistra promiscuidade de tantos corpos que não se conhecem. Museus: dormitórios públicos onde se repousa sempre ao lado de seres odiados ou desconhecidos! Museus: absurdos dos matadouros dos pintores e escultores que se trucidam ferozmente a golpes de cores e linhas ao longo de suas paredes!
Que os visitemos em peregrinação uma vez por ano, como se visita o cemitério dos mortos, tudo bem. Que uma vez por ano se desponte uma coroa de flores diante da Gioconda, vá lá. Mas não admitimos passear diariamente pelos museus, nossas tristezas, nossa frágil coragem, nossa mórbida inquietude. Por que devemos nos envenenar? Por que devemos apodrecer?
E que se pode ver num velho quadro, senão a fatigante contorção do artista que se empenhou em infringir as insuperáveis barreiras erguidas contra o desejo de exprimir inteiramente o seu sonho?... Admirar um quadro antigo equivalente a verter a nossa sensibilidade numa urna funerária, em vez de projectá-la para longe, em violentos arremessos de criação e de acção".



quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Strada en el bosco...


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A Itália tremeu... Não foi propriamente uma tremura, mas uma deslizada de um lado para outro. Diferente dos terremotos na cidade do México, onde as xícaras despencavam das prateleiras e os gatos vomitavam... 
As paredes foram fiéis e se mantiveram intactas. Mesmo as espeluncas sabem dançar a vida! Na rua o exagero das sirenes e muitas vozes clamando pela Madona! Depois... a cama voltou para o lugar, as sirenes emudeceram e tudo fingiu retomar a normalidade... Mas todo mundo sabe que a noite durará ainda umas 8 horas... Uma voz de mulher vinda do corredor do hotel procura minimizar as coisas lembrando que: Domani sara altro giorno! E será mesmo!

 Neste momento um grupo de bêbados cantarola lá pelos lados da estação de trens, como se estivesse desafiando as sacanagens da madrugada e as ameaças legítimas da terra...... A grapa e a cachaça são anti-sismicas...


Em memória do Dr. Alzheimer... Ou, como diria Novalis: "Mentre stavo contemplando l'aurora, si è fatta sera..."

Num desses mercados que normalmente existem próximos aos terminais de ônibus ou das estações de trens, havia nesta tarde quase chuvosa de Padova um cartaz com uma fita lilás em alto relevo e um pequeno texto que fazia referência ao mal de Alzheimer. Prestei atenção, ao que uma moça dizia a respeito, mas não consegui entender a finalidade da tal fita, se era para os que sofrem da doença amarrarem em seus braços, no carrinho das compras, no pescoço do cachorro ou em outro lugar...
Uma boa parte do mundo, da medicina, dos negócios, das confrarias e até dos oportunistas está, neste momento, extremamente preocupada com o envelhecimento e com a demência que ameaça implodir não só o raciocinio mas inclusive a memória do mundo... Aqueles que já estão na ante-sala desse infortunio, estão além de apavorados, bastante curiosos para saber quê outras desgraças, além das já catalogadas, a velhice ainda lhes reserva...


Algumas considerações populares...

1. Os italianos parecem ainda estar convivendo com um ciúmes indisfarçável que beira a algo paranóide. Suas mulheres só se atrevem a olhar para os lados depois de meia garrafa de graspa... Vou tentar descobrir no Google quê povo, no passado, teria pulado as cercas de seus harens ou as janelas de suas alcovas?

2. Por aqui as pessoas, homens e mulheres, têm um humor, digamos, flutuante, que vai de uma doçura nazarena a uma violência súbita e incontrolável. O garçom - por exemplo -, é capaz de sentar-se no teu colo, se você pedir, mas também é capaz de quebrar-te a cara se você demorar muito para decidir se quer spaghetti à bolonhesa ou a lá carbonara......

3. E, aliás, por falar em garçom, este é um povo que não vive sem a carne de porco. Num dia desses me serviram - acreditem - até bochechas de porco estufadas com vinho e mais um meio quilo de purê de batatas! O sujeito que passar aqui uns quinze dias meio faminto e meio distraído, é capaz de acabar comendo sozinho, no final das contas - sabendo ou não - um leitão de uns 40 quilos... Fico imaginando o desespero dos judeus e de outros povos que acham o porco um animal muito porco e que durante muito tempo tiveram que sobreviver por aqui enfiados em seus ghetos e sendo fiéis ao Talmud...

4. As livrarias e as bibiotecas não são lá grandes coisas! O dinheiro, as comidas e as malatias são os assuntos prediletos e prioritários... Na Biblioteca Nazionale di Roma - por exemplo - encontrei apenas três obras de Paganini. Na de Artes da Universitá Sapienza, havia mais de uma dezena, mas quase precisaram de uma autorização papal para dar-me o acesso...A de Belluno só abre no período da tarde... e Paganini há muito tempo saiu da pauta dos editores, não o publicam mais... Foi o preço que aquele louco violinista pagou por ter mandado os bispos e a igreja al catzo!

5.Quem já viveu numa comunidade ou próximo a uma família de italianos sabe, e muito bem, como é grande o ressentimento deles para com o "criador" e o quanto a blasfêmia é para eles uma espécie de mantra terapêutico que é usado com eficiência nos momentos de máxima crise. E não são poucas essas blasfêmias! Daria para encher duas ou três páginas. Curiosamente, apesar de conhecer e de usar praticamente todas, há uma que me havia esquecido e que ouvi ontem, da boca de uma simpática senhora no  mercado de ervas. DIO CANE!!! esbravejou ela ao deixar cair um vaso de gerânios...

6. E os navios "negreiros" não param de atravessar o Mediterrâneo! Cada refugiado que chega chamuscado de pólvora está recebendo 50 euros por dia e os italianos estão secretamente furiosos. Digo secretamente, porque devem engolir a seco esse retorno, uma vez que justo ontem foram eles que através de precários veleiros pisotearam o resto do mundo... De minha parte, vou ver se há uma possibilidade de inscrever-me para essa simpática e humanitária ajuda de custo...

7. Por aqui, o que mais me remete às minhas origens e a, digamos, à minha italianidade, além dos gestos histriônicos de todo mundo, é o canto dos galos de madrugada e o badalar dos sinos (a Ave Maria) no final da tarde... Primeiro um alarme maníaco, depois uma senha depressiva...
Um anuncia a aurora, o outro o ocaso... E la nave va...

8. Aqui em baixo dos arcos da Piazza dei martiri existe uma daquelas clássicas casas de chá européias onde, principalmente quando chove, como hoje, lá pelas 4 horas vão chegando aquelas donas de casa que passaram a semana inteira enclausuradas lavando roupa, limpando janelas e eventualmente tocando uma para seus maridos... Chegam normalmente acompanhadas por amigas, filhos, ou coisa parecida,  e até mesmo sózinhas, com olheiras de quem não dorme desde a invasão dos soldados de Hitler... Sentam-se de cara para a praça e logo são servidas: uma xícara de café ou um bulê de chá e meia dúzia de pedaços variados de tortas...  É agradável, muito agradável estar aqui.
Este é um lugar onde, quando se pede um "chá descafeínado" as garçonetes, com seus casacos vermelhos e seus narizinhos empinados, vão logo arrumando os cabelos e se apressando em corrigir: "um chá deteinato?" E o fazem de uma tal maneira que parece que se o "descafeinado" não for imediatamente substituído por "deteinato" o Vaticano e até o mundo podem acabar...

9. Conheci uma empregada doméstica num desses hoteis duas estrelas que são semi-puteiros, que me jurou ter uma prima no Brasil que teve 5 filhos e que quatro deles se tornaram padres... Foi assim que envenenaram os trópicos - lhe retruquei... ao que ela concordou de imediato... Abraçou uma pilha de lençóis que estavam jogados na entrada do elevador e saiu resmungando algo que ainda nem tive tempo de traduzir: una mente ben coltivata è, per cosi dire, composta di tutte le menti dei secoli precedenti...

10. Enfim, vamos a pergunta principal: como é que as pessoas, tanto as inteligentes como as burras e as remediadas demoram tanto para compreender que o mundo e que a vida é um teatro, um bordel e um circo, fascinantes, mas de quinta qualidade???



terça-feira, 25 de outubro de 2016

O erotismo nada sutil da senectude...


O lugar mais transcendente de uma viagem nem sempre é aquele que está cristalizado nas fantasias, no imaginário e até no inconsciente dos viajantes, principalmente dos viajantes "de primera viagem". Por exemplo: o que mais me proporcionou satisfação (infantil, é verdade) especulações antropológicas, ficções, associações livres e pequenos desvios de personalidade aqui em Belluno, não foram as dolomitas, e nem os pratos de nhoque com cogumelos, mas uma minúscula bodega que vende botões aqui perto da Piaza dei martiri, com uma vendedora que não é do Veneto e nem da Itália, mas da China, de Shangai. Entrei para comprar um dedal antigo e acabei comprando (nem sei para quê) uma meia dúzia de botões brancos, com quatro furos que, segundo a vendedora, se adaptam a qualquer tipo de calças ou camisas... A loja é, como já disse, um espaço onde só cabem dois clientes, no caso um vehinho de quase cento e vinte anos que comprava para sua velha de noventa e tantos (que também estava lá) um ziper vermelho de 78 centímetros e eu. A vendedora, desprovida de toda e de qualquer sensualidade, movia-se como um portuário chinês sem dar a mínima ou sem mesmo entender os olhares maliciosos e as brincadeiras perversas e, digamos "eróticas" daquele pobre ancião. Quando subia numa pequena escada de madeira para pegar uma espécie de gaveta lá no alto deixava aparecer os pêlos lisos e negros das axilas e, por debaixo da blusa algo que, no imaginário pós moderno, só poderia ser uma calcinha, mas que na realidade era um cuecão incolor tipo o dos lutadores de sumô.. As pernas não haviam sido depiladas nem no mês de setembro e nem no mês de outubro e tinham um não sei quê das pernas das legendárias piratas do Rio Amarelo. E, para esconder as tetas ela havia amarrado alguma coisa sobre elas, uma espécie de faixa que ia das axilas até o umbigo... Enfim, estava quase mumificada, mas era uma mulher bonita, delicada, que tinha umas mãos endiabradas, que sabia muito bem o que estava fazendo, que deveria apreciar um vibrato na corda sol e que, com certeza, trazia em seus DNAs toda a história nômade e mercantil de seu povo e até mesmo os horrores das noites intermináveis protagonizadas por Gengis Khan... O velhinho enxugava a baba com um pedaço de pano que levava preso à cintura. De vez em quando sua velha, percebendo que as perversidades se lhe afloravam, lhe lançava alguma antiga e broxante maldição, mas que ele as ignorava completamente e depois se voltava para mim e num italiano secular murmurava o título de um livro publicado recentemente em Londres: matrimônio é outro nome do ódio
E ficou lá.., mesmo depois que paguei a minha conta, peguei o dedal e os botões e desapareci quase confuso no meio do chuvisco... Entrei no café da praça que fica em frente e enquanto não chegava o strudel e o capuchino ia resmungando esta especulação do velho Stendhal: "A paixão não é cega, é visionária..."

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

TORRE DE BABEL...

Para que se veja como está meu italiano:
Perguntei a uma senhora como chegar ao rio que atravessa a cidade e ela me respondeu que atualmente o mel que se vende por aqui vem diretamente da Russia...
Ou eu estou falando um dialéto etrusco (pensando que é italiano) ou ela é uma das que Basaglia liberou dos asilos...