domingo, 17 de janeiro de 2016

Ainda sobre o fictício e imaginário orgasmo feminino...



























As mil e uma rotas até o orgasmo feminino, contadas por mulheres (Artigo de autoria de Rita Abundancia publicado no El Pais, de ontem).  


“Imagine que minha vagina é o mapa de Manhattan. Se estou deitada sobre as minhas costas, o Central Park poderia ser uma pista de aterrissagem e o Carnegie Hall seria meu clitóris. Descendo da 57 à 42, e entre a 10ª Avenida e a Lexington, estariam os bairros de mais categoria. A Times Square, claro, seria o meu traseiro. E deveríamos chegar a um acordo antes de ir até ali.” Essa comparação entre os genitais femininos e a geografia da zona mais cinematográfica da Grande Maçã tem como objetivo explicar, como um mapa do tesouro, um dos muitos caminhos para chegar ao orgasmo, no blog How to make me come, do Tumblr. Seu objetivo é compilar depoimentos anônimos de mulheres sobre o que as estimula, os botões que é preciso apertar para que se produza a ansiada descarga, ou como encontrar o detonador que de cara faça saltar pelos ares a escondida caverna do prazer.  Assim, a uma primeira vista, pode-se pensar que, muito bem, o orgasmo feminino, bem menos mecânico que o masculino e muito mais fugidio, sempre abriu caminho para muita literatura. Cada mulher, e também cada homem, é um mundo com sua trajetória pessoal, intransferível e exclusiva para chegar ao clímax. Interessante para quem a possua e para seu parceiro, mas nada além disso. No entanto, uma revisão das postagens nesse blog é uma interessante compilação, com testemunhos de primeira mão, sobre o que as mulheres gostam na cama ou, se se quer ver de um aspecto negativo –nisso de que o positivismo anda muito malvisto–, um manual sobre o que é preciso fazer para que uma mulher chegue ao orgasmo, que todo tonto desajeitado deveria ler. O post número um já é toda uma declaração de intenções e cumpre como ninguém a regra de “o bom, se for breve, é duas vezes bom’, já que se limita a uma só frase: “Não é só lamber”. Uma única norma que, para muitos, serviria já como exercício a realizar ao longo de toda sua existência.

Outro dos posts mais criativos deste blog, o número 13, busca traçar uma rota interativa para encontrar o misterioso ponto G e começa assim: “gentil guerreiro, eu te elogio por tua valentia, força e resistência em cada tentativa de embarcar no que a maioria consideraria uma desafortunada missão porque, pelo que sei, minha vagina é um aterrorizante e misterioso lugar. Muitos entraram nela. Poucos voltaram.... com vida”.



"Uma mulher pode se sentir segura em seu dia-a-dia e depois, nos momentos privados e sexuais, pode não ser assim. Então, ela vê a si mesma como uma impostora e começa a pensar: talvez eu não tenha tanta confiança em mim mesma como acreditava"

A ideia de começar esse blog, como explicou a The Cut sua autora, Sylvia, uma escritora norte-americana de 27 anos, que também deseja permanecer no anonimato, cresceu depois de contar uma experiência sexual a uma amiga e falar sinceramente com ela como nunca antes havia feito com ninguém . “Quando a deixei, eu me senti positivamente mexida. Embora nos conhecêssemos fazia anos, embora tivéssemos falado muito de sexo, me dei conta de que nunca havia tratado do tema com esse grau de especificidade e vulnerabilidade. Se me sentia assim depois de ter falado honestamente de orgasmos femininos com uma mulher, queria ter esse tipo de conversa em grande escala, e para isso precisava de mais mulheres.”
O gênero feminino tem uma longa tradição de séculos escutando o que é sexualmente adequado, ou não, para uma dama. Por isso, as sensações das mulheres não podem estar totalmente desligadas do que se passa fora do quarto. O título do post 52 do blog é todo um resumo do papel que sempre coube a elas representar: o de fornecedoras de prazer, antes de demandantes. “Se cada mulher ao longo da história da humanidade tivesse pedido a seu par que lhe desse um orgasmo, provavelmente seríamos agora um gênero que teria a capacidade de ter orgasmos em cada relação.” De fato, fisiologicamente estamos preparadas, mas as estatísticas demonstram que não chegamos a desenvolver todo nosso potencial como deveríamos. Um estudo do Instituto Kinsey, da Universidade Indiana, publicado no ano passado no The Journal of Sexual Medicine, revelava que o gênero e a orientação sexual contam, e muito, na hora de obter prazer. Enquanto os homens alcançam o orgasmo em 85,5% de seus encontros, a média nas mulheres cai até 62,9%. As diferentes orientações sexuais tampouco têm uma grande variação entre os homens: com uma média de orgasmos de 85,5% para heterossexuais, 84,7% para homossexuais e 77,6% para bissexuais. No entanto, as cifras flutuam mais para elas: com 74,7% para as lésbicas, 61,6% para as hetero e 58% para as bissexuais.
Essas diferenças já bastariam para justificar a existência de How to make me come, mas sua autora se aprofundou mais, no artigo de The Cut, sobre o motivo da importância de gastar o valioso tempo falando de como as mulheres conseguem o prazer. “Acredito que seja um tema que mereça uma discussão, não só porque o orgasmo feminino pode ser, às vezes, algo difícil de conseguir, mas porque quando falamos dele há implicações mais profundas (...). Tenho pensado muito sobre como o modo como nós temos sexo tem um certo paralelismo com as implicações sociais e políticas que ser mulher implicam. Se você não pode expressar o que quer em um momento em que está excitada, conectada com alguém e sendo desejada, então tampouco poderá dizer o que quiser fora da cama, no mundo. À medida que me metia mais nesse projeto, comecei a contemplar o reverso. Uma mulher pode se sentir segura em seu dia-a-dia e depois, nos momentos privados e sexuais, pode não ser assim. Então, ela vê a si mesma como uma impostora e começa a pensar: talvez eu não tenha tanta confiança em mim mesma como acreditava. Talvez ainda não saiba como falar do que sinto. Talvez não seja realmente corajosa, ou somente sou quando se trata de algo fácil e que me convém.”
Sobre as implicações sociais de ser mulher, ou o panorama do “sexualmente correto” que nos traçaram até a saciedade, tratam –provavelmente sem ter a intenção–dois dos posts do blog, que se intitulam. “Fingi que não estava gozando porque meu cérebro de garota de 17 anos me dizia que era muito raro que gozasse tão rápido” e “Se um garoto chegasse a descobrir as coisas que me estimulam, provavelmente sairia correndo”.
O blog contempla um amplo repertório de experiências. Está lá a de uma mulher que só teve um orgasmo –vaginal– em sua vida. Com seu namorado no sofá da sala. Está a de outra que pede aos gritos no título de seu artigo: “Faça o incorreto. Pelo amor de Deus, faça o incorreto”. Outra autora confessa que demora 45 minutos para começar a ficar excitada e que a masturbação é para ela “um fodido jogo mental zen”; a que pede que a amem “como Sting ama Trudy”, a que não pode gozar toda vez que seu colega de apartamento está em casa e a que dinamita o estereótipo que diz que as mulheres buscam segurança, por isso é mais complicado para elas chegar ao clímax no sexo casual. Já no título de sua reflexão, uma mulher discorda. “Quando se trata de sexo, é preciso ir caso a caso. Eu tive relações incríveis com homens de uma só noite e sexo ruim com um namorado de muitos anos.”



“Quando se trata de sexo, é preciso ir caso a caso. Eu tive relações incríveis com homens de uma só noite e sexo ruim com um namorado de muitos anos.”

Quanto The Cut pergunta à autora do blog se acredita que seu projeto ajudará a desmistificar o orgasmo feminino, Sylvia responde: “De modo algum, acredito que em vez disso este blog pode ter um efeito contrário, mistificar ainda mais o tema, porque revela que há milhões de respostas diferentes para a mesma pergunta. Mas há algo deste projeto que pode servir a todo o mundo: é que fazer com que “eu goze” é diferente de fazer com que “ela goze”.
Se nossas fisionomias não apresentam nenhum defeito e estamos biologicamente preparadas para o orgasmo, como os homens, então, por que para muitas mulheres custa tanto alcançar a petite mort? Segundo Francisca Molero, sexóloga, ginecologista, diretora do Institut Clinic de Sexologia de Barcelona e do Instituto Iberoamericano de Sexologia, “há vários fatores. Para começar, um desconhecimento pela mulher de sua própria anatomia, que tem sido controlado do ponto de vista social. O órgão genital masculino é visível, manipulável e sofre modificações ao longo do dia, mas o da mulher está oculto, precisa ser descoberto, e a aprendizagem foi historicamente negada por questões morais, por isso muitas mulheres não sabem muito bem como se estimularem. Outras, por sua vez, embora fisiologicamente tenham orgasmos, são incapazes de reconhecê-los. Ou seja, seu corpo chegou ao clímax, mas seu cérebro não é capaz de identificar isso. A causa é o desconhecimento do que realmente é um orgasmo, ou por falsas expectativas. O cinema, os amigos, a sociedade inteira, pintaram um retrato ideal do que significa o prazer sexual supremo e nós acreditamos que nossas experiências não estão à altura, não têm a qualidade necessária para serem classificadas nesse compartimento”. Existem também, na avaliação de Molero, pequenas diferenças anatômicas que podem influir na maior facilidade para se conectar com o prazer, embora em um grau mínimo, como “a distância entre o clitóris e a vagina. Se ela for menor, há maior facilidade de estimulação do clitóris com a penetração. E a resposta sexual, que também pode variar com a idade, ao modificar-se o sistema endócrino, hormonal e vascular. Assim sendo, uma jovem deveria ter mais facilidade para chegar ao clímax, embora a boa notícia para as mais velhas seja que a experiência e a cumplicidade corporal com o parceiro podem suprir os pequenos inconvenientes da passagem dos anos”. Segundo Molero, “os exercícios de Kegel, realizados ao mesmo tempo que uma fantasia com suas preferências eróticas, são também outra fórmula para se aproximar do clímax”.
Como comentava a autora deste blog à revista Mic.com, “o que How to make me come prova é que as mulheres simulam orgasmos, os homens assumem que as mulheres estão tendo orgasmo e ambas as partes estão assustadas demais para falar honestamente do assunto”.
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Para incrementar e concluir, agrego um pensamento de Campos de Carvalho: 
"Às vezes copulava-se na própria terra, um buraco cavado com os dedos, o indicador ou o médio, os dois, conforme o diâmetro: o diabo era a sensação de incesto que não se podia evitar: a tal da mãe pátria..."

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