domingo, 30 de novembro de 2014

Sobre a velharada da ABL - SERGIO CONTI - Um texto de tirar o chapéu...

Conformismo e coonestação
"A desimportância da Academia Brasileira de Letras emudeceria até Lobão. Ninguém liga para ela, exceto os 40 autoproclamados imortais. Que eles desfrutem em sossego do privilégio de se fantasiarem de fardão pela eternidade afora.
A Academia é um clube cujos sócios, em graus variados de senectude, se reúnem para tomar chá e trocar dois dedos de prosa acerca de seus sublimes antecessores.
Na plêiade de intelectuais que a engrandeceram figuram eruditos do quilate de Getúlio Vargas, autor de "A Polaca", a Constituição do Estado Novo. E Aurélio de Lira Tavares, o viril ponta-de-lança da Junta Militar, que adotou um heterônimo mimoso –Adelita– formado pelas suas iniciais.
Vargas não conseguiu escrever nem o bilhete de suicida. Teve um apagão criativo e embatucou no rascunho da Carta Testamento, tendo de recorrer a um ghost-writer.
Já o sensível general Adelita perpetrou de próprio punho o pujante "Nosso exército, essa grande escola", bem como os versos inesquecíveis da "Canção da Engenharia", que ainda hoje assobiavam na padaria.
É perda de tempo criticar a Academia. Não importa que ela sobreviva à sombra do Estado. Que jamais tenha emitido um sussurro contra a censura e outros paus-de-arara na vida cultural. Que cultive a mediocridade literária (Nélida Piñon, Murilo Melo Filho etc.) e a bajulação de poderosos (Fernando Henrique Cardoso, Marco Maciel etc.). Ninguém liga.
Não vale nem notar que muito acadêmico não tem obra e a instituição não é representativa. Ela deveria representar quem, ou o quê? Os beletristas de tirocínio, ou ao menos operosos? O estágio atual das letras nacionais? O espírito do tempo?
Tudo isso é fugidio, não vale o espadim que os acadêmicos mais serelepes, Ivo Pitanguy à frente, amam esgrimir de brincadeirinha no chá das quintas-feiras.
Que os membros do clube, pois, façam bom uso dos jetons, do escritório a que têm direito no centro do Rio e do mausoléu que os aguarda em Botafogo, no cemitério de São João Batista. "Requiescat in pace", diria um deles.
A Academia só deixa de ser inócua quando nela entra um poeta de verdade. Isso é chato porque as más companhias têm influência e a instituição os diminui individualmente: todos os ratos são pardos no Petit Trianon.
É o que fatalmente se dará com Ferreira Gullar (colunista dominical da Folha), cuja posse na sua cadeira cativa no clube está marcada para a próxima semana.
"A Academia já fez tudo para eu entrar lá, e eu digo: não. Jamais entrarei para a Academia", afirmou Gullar numa entrevista de agosto de 2011. "Como eu não tenho cabeça acadêmica, como não é a minha, não vou entrar lá."
Pois não é que Gullar virou sócio remido da seleção canarinho das belas letras?
Disputou uma cadeira que já foi ocupada pelo bucaneiro Assis Chateaubriand. Submeteu-se ao vexame de cabalar votos. Fez a prova do alfaiate.
E agora deve estar à cata de elogios raros ao confrade e conterrâneo José Sarney, com os quais abrilhantará o seu discurso de posse.
Precisava? Gullar fez uma poesia rebelde e arriscada. Buscou juntar expressão de vanguarda e participação política, expressão existencial e popular. Por isso, foi neoconcreto, compôs cordéis, fez a lírica do exílio, confessou-se.
Nem sempre conseguiu o que buscava. Seus poemas são às vezes discursivos ou demagógicos; o credo stalinista o fez tropeçar; seus versos perderam voltagem com a passagem do tempo.
O resultado final, porém, é largamente positivo. Pelo que sua poesia tem de inventividade formal e insubmissão.
Envergar o fardão-ostentação, no caso de Ferreira Gullar, significa espargir sobre si mesmo as cinzas do conformismo, coonestar lato senso com o statu quo, dar uma de Lobão. Tomara que elas não maculem "Poema Sujo"."

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Como vão os bagos???




O suposto matador de Che Guevara...

Jornal espanhol entrevista homem que teria matado Che Guevara


MADRI — O jornal espanhol “El Mundo” publicou neste domingo uma entrevista com o militar aposentado que teria matado Che Guevara, aos 39 anos, no dia 9 de outubro de 1967, em La Higuera, na Bolívia. Mario Terán Salazar, de 72 anos, tenta se esquivar dizendo que havia três militares com um sobrenome igual ao seu no Exército boliviano e que por isso ele sempre teria sido confundido com o homem que matou o guerrilheiro. O general Gary Prado, capitão da milícia que encurralou Che, no entanto, confirmou ao “El Mundo” a autoria dos disparos.
A entrevista ao diário espanhol foi feita na casa de Terán, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. Segundo uma confissão escrita que fez aos seus superiores, o militar conta ter se sentido intimidado e tonto com a presença do guerrilheiro.
“Quando cheguei, Che estava sentado. Ao me ver, disse: você veio para me matar? Eu me senti envergonhado e abaixei a cabeça sem responder. Não me atrevi a disparar. Nesse momento, vi o Che grande, muito grande. Quando me olhou senti tontura. Eu pensei que, com um movimento rápido, ele poderia tomar a minha arma”, descreveu na confissão, publicada na íntegra pelo “El Mundo”.
Segundo o militar, Gue teria dito para que ele se acalmasse. Logo depois, veio o primeiro disparo:
“Por favor, acalme-se, você vai matar um homem”, relembra Terán na confissão, citando as palavras de Che. “Então, dei um passo para trás, até a soleira da porta, fechei os olhos e disparei a primeira rajada. Che caiu no chão com as pernas destroçadas, se contorceu e começou a jorrar muito sangue. Recobrei o ânimo e disparei a segunda rajada, que o atingiu seu braço, ombro e coração”.
No que parecia ser uma tentativa de gerar confusão ou camuflar o protagonista, havia três Marios Terán no Exército colombiano: Mario Terán Ortuño, Mario Terán Terán Reque e Mario Terán Salazar. Perguntado se era verdade que ele fazia parte do grupo que deteve Che, o entrevistado se esquivou:
— Não é verdade. Havia dois ou três Marios Teranes (sic) no Exército, mas com diferentes sobrenomes maternos — disse ao jornal, para logo depois se identificar como sendo o homem da única imagem publicada até hoje do suposto atirador. — Sim, sou eu — respondeu aos jornalistas do “El Mundo”, que lhe mostraram a foto.
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A imagem foi tirada dois meses depois da execução pela jornalista francesa Michèle Ray, da Paris Match, que escreveu um livro sobre a morte de Che. 
O general Gary Prado disse que sempre aconselhou Terán que não confessasse seu papel na morte para evitar possíveis retaliações.
Na entrevista, Terán desmentiu uma informação do jornal cubano “Granma” de que médicos cubanos teriam devolvido a visão ao homem que matou Che.
— Não. Não é como eles dizem que eu recuperei a visão. Falso. Eu não estava cego, tinha uma catarata simples — afirmou ao “El Mundo”.
UMA EXECUÇÃO CHEIA DE BOATOS
Che Guevara, braço direito de Fidel Castro, que ajudou a derrotar o ditador Fulgencio Batista em 1959, foi executado numa escola na aldeia de La Higuera, no centro-sul da Bolívia, no dia seguinte à sua captura pelos rangers do Exército boliviano, treinados pelos Estados Unidos. 
Depois de 11 meses nas selvas, os guerrilheiros foram encurralados por soldados da milícia liderada pelo capitão Gary Prado, em uma ravina localizada na região de Vallegrande, no dia 8 de outubro. Durante a luta, Guevara acabou sendo ferido na perna e levado para La Higuera junto com dois companheiros, onde foi morto.
O assassinato encerrou uma operação guerrilheira desastrosa. Com a vitória da revolução em Cuba, Che Guevara, médico formado pela Universidade de Buenos Aires que se iniciara politicamente na oposição a Perón, resolveu levar o ideal marxista para os países da América Latina, contrariando as recomendações do Partido Comunista soviético.
Os boatos que cercaram a execução de Che Guevara levantaram dúvidas sobre a identidade do guerrilheiro morto em Higueras. A confusão culminou no desaparecimento dos seus restos mortais, encontrados apenas em 1997 — quando o mundo recordava os trinta anos de sua morte — sob o terreno do aeroporto de Vallegrande. 
O corpo estava sem as mãos, amputadas para reconhecimento poucos dias depois da morte e contrabandeadas para Cuba. Em 17 de outubro de 1997, Che foi enterrado com pompas na cidade cubana de Santa Clara (onde liderou uma batalha decisiva para a derrubada de Batista), com a presença da família e de Fidel.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O VOO DA TAM & Jucelino Nóbrega da Luz o nosso Nostradamus...


Juscelino Nóbrega da Luz está causando paranóia entre os passageiros do voo TAM, do dia 26 de novembro, São Paulo Brasília ao afirmar e até registrar em cartório que o avião se estatelará na Avenida paulista. Se der certo, merece ser imediatamente canonizado, (eu mesmo queimarei incenso sob as barbas desse charlatão), se errar, lhe fariam bem uns 200 chicotaços. 
Para uma sociedade que acredita mais em um deus imaginário do que em seu vizinho com quem desce o elevador todas as manhãs, para uma sociedade intoxicada com crendices primitivas e misticismos baratos a premonição de Juscelino está tendo quase peso de lei. 
Agora.., uma coisa é certa: se o piloto fizer parte desse time e dessa confraria, (o que é bem provável) e não estiver com seus exames neurológicos em dia, todo cuidado é pouco... e alterar o bilhete é pertinente...
É incrível que por mais que se tente, há uma insistência de nossa gente em não querer sair da Idade Média!

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Genesis, 1:71`

E Deus, quando percebeu a merda que havia feito, colocou suas mãos leves sobre a cabeça dos dois infelizes e decretou: e sobre aqueles que conseguirem viver mais de setenta anos lançarei os  mais variados tipos de demências para que esqueçam inclusive, das estupendas trepadas que protagonizaram no percurso de suas vidas...

sábado, 15 de novembro de 2014

A idiotice narcisista do Curriculum Vitae ou Leandro Konder e seu Curriculum mortis

"A sociedade, modernizada, precisa de organização, eficiência. Para obter um emprego, para conseguir uma promoção, fazer carreira, o sujeito precisa exibir suas qualidades, ostentar seus êxitos. Já existem até manuais que ensinam o cidadão a preparar seucurriculum vitae. A trajetória ascensional de cada um depende dessa peça de literatura, que lembra as antigas epopéias, porque nelas o protagonista – o herói – só enfrenta as dificuldades para poder acumular vitórias. Os obstáculos servem apenas para realçar seu valor. O passado é reconstituído a partir de uma ótica descaradamente “triunfalista”.
Evidentemente, trata-se de uma imagem que não corresponde à realidade. Em sua imensa maioria os seres humanos não são campeões invictos, não são heróis ou semideuses. Se nos examinarmos com suficiente rigor e bastante franqueza, não poderemos deixar de constatar que somos todos marcados por graves derrotas e amargas frustrações. Vivemos uma vida precária e finita, nossas forças são limitadas, o medo e a insegurança nos freqüentam; e nada disso aparece no curriculum vitae de cada um de nós.
curriculum vitae é a ponta do iceberg: ele é o elemento mais ostensivo de uma ideologia que nos envolve e nos educa nos princípios do mercado capitalista; é a expressão de uma ideologia que inculca nas nossas cabeças aquela “mentalidade de cavalo de corrida” a que se refere a escritora Dóris Lessing. Não devemos confessar o elevado coeficiente de fracasso de nossas existências, porque devemos ser “competitivos”. Camões, o genial Camões, autor de tantos poemas líricos maravilhosos, não poderia colocar em seucurriculum vitae o verso famoso: “Errei todo o discurso dos meus anos”.
A ideologia que se manifesta no curriculum vitae, afinal, aumenta as nossas tensões internas, porque nos dificulta a lucidez e a coragem de assumir o que efetivamente somos; nos obriga a vestir o uniforme do “super-homem”, a afetar superioridades artificiais. Além disso, ela incita à mentira, gera hipocrisia. Por sua monstruosa unilateralidade, a imagem do vitorioso, que ela nos obriga exibir, empobrece o nosso conhecimento de nós mesmos, prejudica gravemente a sinceridade da nossa auto-análise.
É uma ideologia capaz de explorar tanto a burrice como a inteligência; capaz de influir tanto sobre as vaidades primitivas como sobre as culturas refinadas. Para os indivíduos intelectualizados, ela se reveste de máscaras altamente sofisticadas. No caso dos artistas, ela usa a mitologia da genialidade e induz freqüentemente a pessoa a se alimentar de ambições desmesuradas. No caso dos intelectuais em geral, ela se apóia nos mecanismos seletivos da carreira universitária, aproveita as exigências de “publicidade” que se tornaram tão fortes na vida moderna e instiga uns a se afirmarem contra os outros: diminui a simpatia espontânea pelos colegas, a disposição real para aprender com eles, e se fortalece a desconfiança, cresce o impulso no sentido de demonstrar sua própria competência através da denúncia da incompetência alheia.
Claro que não teria sentido imaginarmos que o quadro deveria ser idílico e sonharmos com uma situação na qual os indivíduos jamais colidissem uns com os outros. Sabemos que as contradições nunca vão ser inteiramente suprimidas, que a existência delas é uma dimensão essencial da própria realidade. Sabemos também que o apreço por si mesmo é importante para todo ser humano: se não gostar de si mesma, nenhuma pessoa conseguirá gostar saudavelmente de outra; se não acreditar de fato em suas convicções, não conseguirá comunicá-las a outras pessoas, não conseguirá intervir no mundo, contribuindo para melhorá-lo. A partir de um determinado nível, contudo, a auto-estima fica sobrecarregada de narcisismo e acarreta uma atrofia conservadora da autocrítica.
Podemos então deixar de lado as condenações moralista – inócuas – do narcisismo. Elas são antigas e apresentam escasso interesse teórico. O problema que merece a nossa preocupação é outro: é aquele que se manifesta no efeito conservador da autocomplacência, que coagula o movimento auto-renovador da consciência, enrijecendo-lhe o ímpeto criativo e a abertura para o novo.
É provável que a estrutura da mente humana seja muito mais conservadora do que costumamos reconhecer. Renovar-se, reformular suas idéias, modificar seus valores, é operação dolorosa e arriscada. Quem parece realizá-la com alegre desenvoltura é o espírito frívolo, superficial e sem raízes, que está sempre disposto a acolher as novidades porque na realidade não as assimila (já que não assimila profundamente coisa alguma). Quando a vida obriga o ser humano a mudar os critérios e valores a que ele já tinha se acostumado e nos quais fundara a sua segurança, é natural que ele se angustie. Os próprios neuróticos, embora sofram, se agarram à neurose, porque têm medo de cair em um sofrimento ainda maior.
Nossas sociedades fragmentadas, divididas em grupos, em classes, em nações, em blocos de Estados, tornam muitíssimo mais difícil uma tarefa que por si mesma já é extremamente espinhosa: a de conhecermos as camadas mais profundas da realidade em que vivemos, penetrando gradualmente na essência mais significativa dos fenômenos, enxergando as coisas de um ângulo verdadeiramente universal, quer dizer, comum à humanidade como um todo. A humanidade está dilacerada, os indivíduos não sabem como agir para se tornarem uma encarnação dela. Não sabem o que há de mais universal neles. E isso contribui para que eles desistam da universalidade e se resignem a ser facciosos, unilaterais.
Sofremos todos a brutal pressão decorrente desse quadro, dessas condições. No entanto, volta e meia, no esforço para mudar o mundo, sentimos necessidade de nos unir a outros seres humanos em torno de princípios, que, por definição, precisam ser universais. Como superar o estreitamento dos nossos horizontes, provocado pelo mercado hipercompetitivo, que nos joga constantemente uns contra os outros? Os mecanismos do mercado forçam as pessoas a buscar lucros cada vez maiores, a disputar um lugar de trabalho melhor remunerado, ameçam-nas com o desemprego e a miséria, intimidam-nas com a falência; além disso, disseminam a insegurança e produzem a cristalização não só dos interesses materiais como dos modos de sentir e de pensar. Fortalece-se, nas criaturas, a exigência de forjar álibis.
Marx e Freud descobriram aspectos decisivos da ação das forças que atuam subterraneamente em nós e mostraram que, sob uma capa de “racionalidade”, elas impõem limites aos movimentos da nossa consciência. Mostraram como esquemas explicativos são elaborados e reelaborados em nossas cabeças com a finalidade de nos proporcionar a “boa consciência”, com o objetivo de amenizar nossas dúvidas, atenuar nossas inquietações e evitar a vertigem das nossas inseguranças.
Forjamos para nós imagens que nos ajudem a viver; e nos apegamos a elas. O autoritário se apresenta como “enérgico” e “corajoso”; o oportunista como “prudente” ou “realista”; o covarde com “sensato”; o irresponsável como “livre”. Não existe nenhuma tomada de posição no plano político ou filosófico que, por si mesma, imunize a consciência contra a ação desses mecanismos. Somos todos divididos, contraditórios. Por isso mesmo, precisamos promover discussões, examinar e reexaminar a função interna das nossas racionalizações. Quer dizer: precisamos realizar permanentemente um vigoroso esforço crítico e autocrítico.
A autocrítica é de uma importância decisiva. É por ela que passa o teste da superação do conservadorismo dentro de nós. Um conservador – é claro – pode fazer autocrítica; mas, se a autocrítica for feita mesmo para valer, ele seguramente não estará sendo conservador no momento em que a fizer.
Desde que consiga se instalar solidamente na consciência de alguém, o conservadorismo pode administrar uma grande flexibilidade: pode suportar com tolerância liberal as opiniões divergentes, até as provocações e irreverências alheias. Mas não pode se permitir o autoquestionamento radical.
George Bernard Shaw, que conhecia a significação da autocrítica, disse uma vez que o erudito era um homem que se valia de seus conhecimentos para criticar os outros, ao passo que o sábio era um homem que se criticava a si mesmo. No sentido que Shaw atribuiu à palavra, Marx era um sábio, porque não se limitou a criticar os outros, mas também cultivava – e como! – a autocrítica. Embora suas idéias sirvam de base para as certezas de milhões de militantes que invocam seu nome, Marx declarou a sua filha que, se tivesse de adotar um lema, seria a frase latina que recomendava duvidar de tudo: de omnia dubitandum. Ao completar cinqüenta anos de idade, numa situação de extrema pobreza, Marx escreveu para Engels uma carta (30.04.1868) na qual ria de sua própria incompetência para ganhar dinheiro: “Como minha mãe tinha razão quando dizia o Karl defia saper kanharr o capital (enfez de eskreferr sopre ele)…” (Marx imita jocosamente na carta a pronúncia de sua mãe). Em outra carta para o mesmo amigo de sempre concordava com uma observação de sua mulher, Jenny, que assegurava que, embora vivessem muito mal, após a vitória da revolução o casal passaria a viver pior, porque “teria o prazer de ver todos os charlatães comemorarem o triunfo deles.“ (11.12.1858). Marx não excluía a prioria hipótese de estar fazendo, em determinadas situações, papel de bobo.
Esse espírito autocrítico está presente também em Engels e em alguns marxistas de épocas posteriores, com Gramsci e Walter Benjamin. Ele assume traços de ascetismo nos anos “heróicos” do leninismo “puro”, mas se deteriora na ação dos partidos comunistas colocados sob a liderança de Stálin. A autocrítica se desmoraliza, deixa de ser um ajuste de contas do indivíduo consigo mesmo e é delegada à mecânica das agremiações: o militante faz a autocrítica que a direção do partido lhe impõe.
Agora, com os impasses com que se defronta o movimento comunista, com a ampla exigência de uma renovação do marxismo (no espírito de Marx), estão sendo criadas condições para que também os comunistas reaprendam o sentido da genuína autocrítica.
A verdadeira autocrítica exige uma espécie de “complementação negativa” para ocurriculum vitae: depois de apregoar seus êxitos e seus méritos, a pessoa enfrenta o desafio de reconhecer suas frustrações, suas deficiências, seus fracassos, suas fraquezas. Talvez possamos chamar essa reconstituição dolorosa e necessária de curriculum mortis. Os indivíduos mais gravemente contaminados pela ideologia “triunfalista” que se manifesta no curriculum vitae carecem de sensibilidade, de madura lucidez e de coragem intelectual para a elaboração desse curriculum mortis. Eles agem como aquele político conservador que, numa entrevista, respondendo a uma pergunta sobre o maior erro que admitia ter cometido, explicou à estarrecida jornalista: “Meu maior erro tem sido o de dizer as coisas antes de todo mundo, cedo demais, quando os espíritos ainda não estão preparados para compreendê-las; isso desencadeia uma reação muito forte contra o meu pioneirismo.” Num passe de mágica, a autocrítica se transforma em auto-elogio.
Em nossos tempos de desconfiança, esses lances de prestidigitação tendem a surtir cada vez menos efeito. E, mesmo quando ainda conseguem iludir alguns incautos, eles trazem para os mistificadores talentosos vantagens precárias, pelas quais o mágico, afinal, acaba pagando, humanamente, um preço mais elevado do que supõe. Querendo ou não, cada um de nós caminha inexoravelmente para a morte (e o prestidigitador não escapa a esse destino). Reconhecendo francamente nossos fracassos, elaborando nosso curriculum mortis, assumindo autocriticamente os momentos “noturnos” em que vamos morrendo aos poucos, aumentamos as nossas possibilidades de nos conhecermos e de nos aperfeiçoarmos espiritualmente; e, de certo modo, esse talvez seja o único caminho possível de preparação para o fim pessoal inevitável. Quem insiste em se iludir, na realidade, está optando por enfrentar despreparado todas as dores que lhe vão desabar em cima, na hora da desilusão. Os indivíduos que conseguem se elevar a um ângulo mais universal e conseguem discernir com clareza as limitações do ser particular deles, em princípio, devem estar em condições menos ruins para se defrontar com a morte (já que são capazes de reconhecer algo – a humanidade, Deus – acima de suas individualidades; e esse algo não morre).
A abordagem do tema da morte, aqui, pode parecer surpreendente; os marxistas não costumam escrever a respeito desse assunto (e há quem alegue, com alguma ligeireza, que a omissão se deve ao fato de eles se ocuparem preferencialmente dos problemas da vida). Na verdade, a compreensão de alguns dos problemas da vida só pode se aprofundar se nos dispusermos a refleti também sobre a morte, E há um precedente da maior importância na reflexão dialética sobre a morte; ele se encontra na Fenomenologia do Espírito, de Hegel.
Nesse livro, Hegel estuda – num nível notoriamente muito abstrato – o movimento da consciência, que parte da percepção sensível, imediata, e caminha para o que ele chama de saber absoluto. Em sua trajetória, a consciência assume diferentes figuras, A quarta figura desse itinerário é a autoconsciência e a quinta é a razão. Pois bem: para passar da autoconsciência à razão, é preciso pensar a fundo a questão da morte.
Para Hegel, a autoconsciência é uma figura na qual a consciência analisa as coisas, vai completando seu campo de entendimento, mas tende inevitavelmente a se encerrar em si mesma, a excluir o novo, a deixar de fora o negativo; ela tende então a se encastelar numa positividade enrijecida. Na medida em que sente necessidade de avançar, a consciência precisa, por conseguinte, superar essa figura; precisa se desembaraçar da sua segurança artificial, vencer seu medo, encarar o negativo. E a forma universal do negativo é, precisamente, a morte.
A conquista da razão, portanto, depende – segundo Hegel – da capacidade que a consciência venha a adquirir de olhar a morte de frente, aproximar-se dela, permanecer junto dela, conviver com sua presença assustadora (em vez de contorná-la e fingir que ela não existe). Só assim a consciência consegue se enriquecer, assumindo seriamente seus limites, incorporando – dolorosamente – a dimensão do negativo à sua compreensão do mundo e de si mesma. “O Espírito” – lê-se na Fenomenologia do Espírito – “só conquista a sua verdade quando é capaz de se encontrar a si mesmo na mais absoluta dilaceração.”
Essa indicação preciosa se perdeu, na história das lutas travadas pelos herdeiros da dialética hegeliana. A consciência dos marxistas, com o tempo, começou a apresentar sintomas daquela positividade enrijecida a que se referia o autor da Fenomenologia do Espírito. Difundiu-se uma concepção simplificadora, maniqueísta, da revolução: em rígida contraposição à “corrupção” burguesa, as organizações revolucionárias eram levadas forçosamente a exagerar sua “autenticidade nuclear”, sua “justeza fundamental” (minimizando conseqüentemente todas as deformações internas, todas as graves anomalias que se verificavam em seu interior). A genuína autocrítica definhou, o “triunfalismo” se impôs. Os revolucionários foram envolvidos por uma ideologia que não lhes cobrava maior empenho em crescerem porque os convencia de que já eram bastante grandes; uma ideologia que não os pressionava no sentido de indagarem mais a respeito das coisas e deles mesmos, porque lhes sugeria que eles já tinham as respostas essenciais.
Mas a história se rebelou contra os que proclamavam seus direitos sobre ela. A prática desmoralizou a teoria que se considerava sua carcereira e fugiu por todas as janelas. E o revolucionário foi obrigado a constatar, como qualquer homem comum, que a morte o está devorando a cada momento. Volta a se colocar, então, em nome da vida, a necessidade de incorporar o negativo à consciência. Através da autocrítica. Ou – se a expressão em latim não lhes parecer muito rebarbativa – através do curriculum mortis".

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Mangia que te fa bene...

Ontem, absolutamente contra minha vontade tive que saltar da cama antes do terceiro canto dos galos e claro, fazer o desjejum numa dessas vagabundas "franquias"que existem por aí e pelo redor de todo o mundo.
Quando o Misto-Quente me foi colocado diante do nariz, vi que dava para saciar, no mínimo, uma família de quatro pessoas: umas cinco fatias de presunto, mais umas cinco de queijo, enfeitadas com chips e etc.
Como só comi um terço daquela porcaria o garçom quis saber o motivo.
-Ora, lhe respondi, se comesse isso aí duas vezes por semana estaria pesando cento e vinte quilos.
-É verdade! Respondeu-me ele com um olhar tolo, cínico e de gaiato.

Reflexão inevitável:
Se a sociedade, (entenda-se o Ministério da Saúde, o Estado e os governos) ao invés de ficarem publicando estatísticas fajutas sobre obesidade, subsidiando mutilações bariátricas e destribuindo gratuitamente medicamentos para hipertenção, interferissem radicalmente nos currículos das faculdades de nutrição e, principalmente, começassem a tratar com chicote os donos de restaurantes, lanchonetes e padarias, as coisas seriam bem diferentes... (isto, claro, sem perder a ternura!)

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Abaixo o indefectível sabiá...

Apesar do sabiá vir inspirando  nossos poetas e músicos há mais de 171 anos (Vejam Canção do Exílio de Gonçalves Dias, composta em 1843), existe um aqui na minha quadra que começa a encher-me o saco desde às 4 da manhã. E não pensem que ele se acalma quando o sol aparece lá por sobre o Congresso Nacional. Fica por aí numa ridícula e sem sentido lenga-lenga vocal até lá pelas dez horas, quando algum velhinho menos paciente do que eu lhe aponta furioso uma espingarda.
Dizem que esse gorjeio e que essa cantoria toda é para demarcar terreno e para tentar "papar" alguma ingênua forasteira.
Oxalá, até o final de novembro algum faminto carcará me resolva esse problema...


Os pais, os políticos e os professores estão salvos!


sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Finalmente, a "nobreza" paulistana voltará a beber de seus próprios esgotos...

"Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhes vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar as suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz de meus ancestrais.Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos e seus também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão".  
Carta de um indígena a um governante


Um dos únicos saberes que ainda trago de meu Primeiro Grau, especificamente das aulas de biologia, é o de que somos praticamente 80% água. Isto é:  um coágulo ambulante! Esse saber provocou-me um impacto tão grande que até hoje não estou completamente curado...
E só trago esta lembrança para mencionar que depois de entulhar as ruas de automóveis e de envenenar o ar em breve os paulistanos começarão a beber também a água dos esgotos.  E a mídia não fala em outra coisa. "Em breve as águas dos esgotos paulistanos serão "tratadas" 
e reaproveitadas" - dizem as manchetes, - como se se tratasse de uma façanha e de um grande feito.
Ora, qualquer debilóide e qualquer estúpido sabe que apesar de parecer progresso trata-se uma das maiores idiotices do ser humano.
Cada dia estou mais curioso por saber de onde advém a necessidade desse coágulo envenenar-se e de beber da própria merda?