quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Kafka e a Grande muralha da China...

Num livreto de Kafka, que leva o título de um de seus breves textos: A grande muralha da China, (Publicações Europa-América, p.p. 18,19, Sintra, 1976) tratando, como sempre, do absurdo da vida e da esdrúxula condição humana, Kafka reproduz esta parábola, que me parece uma preciosidade.

[...Conta-se que o imperador te mandou uma men­sagem a ti, humilde vassalo, sombra insignificante que lá muito ao longe se encolhe toda perante o sol impe­rial; o imperador, do seu leito de morte, enviou-te uma mensagem, só a ti. Ordenou ao mensageiro que se ajoelhasse junto da cama e segredou-lhe a mensagem; tanta importância ela tinha para ele que ordenou ao mensageiro que lha repetisse ao ouvido, baixinho. Então, com um aceno de cabeça, confirmou-lhe que estava certa. Perante os espectadores da sua morte, alí reunidos - foram deitadas abaixo todas as pare­des que impediam a visão e sobre a alta e espaçosa escadaria erguiam-se, em circulo, os grandes principes do império -, perante todos estes, ele transmitiu a sua mensagem. O mensageiro parte imediatamante para a sua viagem; um homem resistente e infatigável; ora empurrando com a sua mão direita ora com a sua mão esquerda, ele abre caminho por entre a multidão; quando encontra resistência aponta para o seu peito, onde brilha o simbolo do Sol; a ele facilitam-lhe mais o caminho do que a qualquer outro. Mas as multidões são muito vastas; o seu número é infinito. Se ele pu­desse chegar aos campos abertos, que depressa ele voaria, e em breve, sem dúvida, ouvirias o martelar bem-vindo dos seus punhos na tua porta. Mas, em vez disso, como é desperdiçada a sua força; ele ainda só está a abrir caminho através dos salões do palácio mais interior; nunca mais ele conseguirá chegar ao fim deles; e, se o conseguisse, isso de nada valeria; a seguir teria de conseguir passar pela escada; e, mesmo que con­seguisse descer, nada teria conseguido ainda; haveria ainda que atravessar as cortes; e, depois das cortes, o segundo palácio exterior; e novamente escadas e cor­tes; e mais outro palácio; e assim sucessivamente, du­rante milhares de anos; e, se, por fim, ele conseguisse atravessar o último portão exterior - mas nunca, nun­ca, isso poderá acontecer-, a capital imperial estaria a seus pés, o centro do mundo, cheia, quase a rebentar, dos seus próprios sedimentos. Ninguém conseguiria abrir caminho por aqui, nem com uma mensagem de um homem morto. Mas tu sentas-te à janela quando a noite desce e sonha com isto no teu intimo...]

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