domingo, 24 de junho de 2012

Viagem ao fundo da noite... 6


Se nos próximos 100 anos ouvir alguém falar em tofú frito ou em arroz com frango sacarei imediatamente a espada... Comer e dormir: duas paixões sagradas dos chineses. Imaginem então onde já estariam se jejuassem e tivessem insônia... Paradoxos. Não é impossível encontrar na esquina de Wangfuging um camponês vendendo um sapo de jade que vale um milhão de dólares e logo em seguida, numa daquelas boutiques pós-modernas alguém oferecendo um colar de brilhantes falsificado... Tenho a impressão que em qualquer tipo de guerra esse povo seria imbatível. Em “amor” ao Estado e ao mito de “nação” é bem provável que chegassem a destroçar baionetas a dentadas... Mas, afinal, como é possível amar um Estado ou uma Nação??? Uma ponte? Uma montanha? O que quer que seja??? E a uns cinqüenta metros do hotel uma moça magrinha e feliz tece a seda multicor com a mesma coreografia e mistério de sua tataravó ming....  Com toda essa paciência e espera saberia alguma coisa de Penélope? Ou pelo menos de Lao-Tsé? Em termos de linguagem corporal/verbal e de biótipo são idênticos aos bororos ou aos machacalis. Quem povoou quem? Os daqui que foram para lá ou os de lá que vieram para cá??? Mas por que os de lá não souberam construir sequer uma ponte? Por fim, quando já se sofreu todo tipo de humilhação ao comparar as “coisas” daqui com as daí, uma ida à Biblioteca Nacional da China é o golpe mortal. Uma das maravilhas do mundo!  Borges e Calvino não têm idéia do que perderam... Blá, blá, blá.....

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Viagem ao fundo da noite 4



1-Talvez não exista no mundo cidade mais interessante e nem mais fascinante que Xangai. Na fachada, o que há de mais refinado, moderno e sofisticado... Atrás da fachada, sacos de sapos, escorpiões no palito e um exército alucinado de seres quase da época de Lao-Tsé que transpiram simplicidade e primitivismo... Tenho certeza que aqui é o lugar ideal para curar-se das formas mais crônicas e graves de fobias sociais ou, pelo contrário, para enlouquecer de vez. Impossível dizer alguma coisa consistente sobre a “alma” desse povo. O corpo como liquidificador. Espadas e pérolas, demônios das várias dinastias, arquivos da grande marcha... O vermelho, essa cor de puteiros por todos os lados! A casa de Mao, também a de Cho en Lai. Relíquias da Revolução cultural. Um taxista limpando singelamente os ouvidos com a chave de fenda. Espanadores, porcarias de jade, pincéis. A sensualidade ausente ou invisível. Mas como se reproduzem tanto? A neurose dos alto falantes na porta dos pequenos comércios e os olhos melancólicos da galinha dentro de meu prato...

2-Não há perigo! - Insistia um velho a um homem jovem. O único perigo real aconteceu um ou dois ou dias antes de teu nascimento quando ou você ficava na barriga de tua mãe e apodrecia, ou deslizava pelo canal para deparar-se com toda essa miséria...

3-Ouvi também alguém dizendo: não sou um homem de endereços. Ter que ir ali ou acolá obrigatoriamente, me causa uma das mais amargas formas de angústia. A quinta maravilha do mundo pode estar do outro lado do muro, mas só chegarei a ela se for por acaso. Odeio mapas, guias, programações, esses ônibus que vão cheios de idiotas ziguezagueando pelas cidades... Em viagens sou como um búfalo... E quando, por acaso, me deparo com algo interessante... Que maravilha! Que coincidência! Existem cidades do mundo onde vivi mais de um ano e das quais não sei sequer o nome da avenida principal...

4-Nada é mais melancólico do que ouvir um chinesinho de Zhujiajiao falando inglês para agradar aos brutamontes do império. Tente falar alguma frase nesse idioma de monstros diante do espelho para ver se não se te avermelham as orelhas. É o cúmulo da impostura que esses idiotas circulem pelo planeta inteiro falando apenas o seu idioma e que o resto da manada se submeta a eles...

5-Apesar do saneamento básico desta cidade de 19 milhões de habitantes não ser um dos melhores do mundo, só a ausência de religiões já é um alívio imenso... um verdadeiro e milagroso bálsamo para meus pulmões e, principalmente, para meu cérebro...

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Viagem ao fundo da noite 3


1. Dando continuidade ao “proselitismo” , a estação de trens de Beijing sul é maior, mais luxuosa, mais funcional e mais estupenda que todos os aeroportos brasileiros juntos. A Estação da Luz e a Central do Brasil, se comparadas, não passam de dois galinheiros. E repito – para estressar os chauvinistas – que tudo aí na terra dos papagaios é sucateado, provinciano e menor, muito menor... Motivo pelo qual as últimas dez gerações de políticos e administradores deveriam ser chicoteadas e os que já morreram desenterrados e pisoteados... E aqueles ingênuos que pagam por aí verdadeiras fortunas para seus filhos estudarem em escolas vagabundas, deveriam usar esse dinheiro para incentivá-los a, antes de qualquer coisa, darem cinco ou seis voltas ao mundo... Também não deveriam esquecer que aquele chinesinho que de vez em quando aparece nos bares, no meio do crepúsculo, vendendo porcarias, não é necessariamente um débil mental como se pensa. De uma maneira ou de outra ele está ajudando a engendrar e a levantar todo este império...

2. Entrei novamente na fila, na imensa e emocionada fila para ver outra vez o esquife do Mao. Estava lá, na mesma posição e com a mesma santidade que há uns vinte anos atrás, com uma pele mais saudável que a minha e ainda coroado de glorias... O fervor! O que é o fervor devocional?

Como milhares de outras a mulher que estava ao meu lado depositou aos seus pés um crisântemo amarelo. Ele, que segundo a lenda, comia cinco ou seis por dia, permaneceu absolutamente imóvel e indiferente...

3. Sobre limpeza, nossas “empregadas domésticas” deveriam fazer um estágio aqui! Pelo menos no circuito “moderno” a limpeza é pra lá de exagerada. Com uma população dessas não encontrar nenhuma migalha e nem sequer uma cabeça de fósforo nas calçadas, nos metrôs, nos parques etc, parece até um “milagre”. Nada. Para qualquer lado que olhes lá está uma “escrava” com seu paninho ou com sua vassoura. E a limpeza não é superficial nem só de fachada não. É com o maior cuidado por cima, por baixo, pelos lados, por dentro, de forma circular e longitudinal como se fosse o último e derradeiro ato revolucionário... Mas... mas... existem ainda as velhas escarradas! Parecem ter um demônio na garganta. Primeiro o ruído asqueroso da coleta do material e em seguida o tiro certeiro para fora, ou numa parede, ou num esgoto, numa lixeira, pela janela do ônibus ou nas escarradeiras. Por sorte uns ingerem o tenebroso material... Há quase um século atrás quando fui a Macau já experimentei bons momentos de náusea por isso. Os velhos portugueses de então, tentando coibir essa nojenta perversidade, encheram a cidade de placas proibitivas... Nem eles e nem a Grande Marcha parecem ter resolvido o assunto...

Neca de blogs, de facebook ou de You tube por estes lados... Et la liberté??? Que liberté??? Chega de cacarejar sobre essa bobagem burguesa! Desde quando acessar uma internet é signo de liberdade? E depois, não há liberdade. De um lado a outro da terra o que se vê é só gado marcado, ajoelhado, resignado, na coleira e, misteriosamente feliz...

sexta-feira, 8 de junho de 2012

No fundo da noite 2




I.Confucionista, comunista, capitalista, seja o que for, há muito a China já enrabou o ocidente. A grandiosidade de Beijing é quase indescritível. E mais, quase tudo edificado apenas nos últimos 50 anos. As grandes urbes ocidentais (Londres, N.Y. Paris etc) perto desta aqui já parecem decadentes. São Paulo? Uma cidadela. Brasília? Uma aldeia. A arquitetura do velho Niemayer cabe no subsolo de um único dos milhares e milhares dos gigantescos “buildings” que brotam como cogumelos por todos os lados. As megalomanias faraônicas e as avenidas que Napoleão e Hitler idealizavam para seus “Reichs”,comparadas com as daqui, não passam de toscas trilhas e de toscas veredas. As paredes, as calçadas, os postes, as latas de lixo, o caráter das massas, tudo tem a densidade e a funcionalidade suficiente para durar dois mil anos. Os metrôs ocidentais comparados com o daqui se parecem com carroções insalubres. Preço do bilhete: 2 yans = 0,25 reais. E há toaletes públicas limpas por todos os lados. Diferente de Brasília onde em cinqüenta anos os governantes não conseguiram construir nenhuma... Enfim, uma visita à China é fundamental nem que seja apenas para entender o que é verdadeiramente um país “em desenvolvimento” e o que é verdadeiramente um pais “em sucateamento”. As livrarias são de tirar o chapéu. Prédios inteiros onde as maiores do Brasil poderiam ser acomodadas em um único andar. E mais, com oslivros a 1/5 dos nossos. Um tratado de Nephrology com 2369 páginas – por exemplo – custa Y 368, o que significa 120 reais. Um outro, do charlatão Gurdieff (Self/observation) de 140 páginas custa Y 28 = a 8 reais... etc, etc, etc... Claro que a poluição é pior que a dos labirintos do inferno, pior que a da Cidade do México, de Santiago do Chile e de São Paulo juntas. E por falar em poluição, os gritos das mulheres são tão estridentes e agudos que assustam qualquer um. Se também forem assim na alcova, duvido que haja ereção que se mantenha... A educação – pelo que se vê no cotidiano das ruas - continua sendo no grito e no chute e a coreografia das massas militarizada, com o cérebro só funcionando em uma marcha etc.

II. Aqui na Beijing West Railway Station, lá pelas 11 da manhã é que você pode compreender definitivamente quanto mal a tal da libido, dos óvulos e dos espermatozóides fizeram ao mundo... Gente... Gente... Muita gente... Excesso de gente... E todos iguais... Comprar um bilhete é literalmente impossível, a não ser que você não se importe de comprar pensando que vai para o Tibete e acabar desembarcando na Manchúria... O que é que leva uma espécie a reproduzir-se desse jeito? Ao invés de terem engendrado esse inferno de almas, de barulhos, de frituras e de ilusões, bem que poderiam ter permanecido naquele estágio inicial... Passeando tranquilamente pelos templos e jardins confucianos, tocando punheta e tomando chá...

terça-feira, 5 de junho de 2012

Viagem au fundo da noite...


Sempre que passo por este país, venho aos cafés da cidade universitária para checar quem dos antigos conhecidos ainda vive por aqui e quem já bateu as botas, foi repatriado etc. Desta vez só encontrei o M., um fodido do Oriente Médio que certo dia, no auge de sua loucura e de seu desespero de refugiado me enviou cinco ou seis páginas com uma suposta “formula” inventada por ele que desvendaria todos os mistérios da mente e salvaria o mundo... 


Já está prá lá de senil, com uma barba que lhe tapa a fachada inteira e com pêlos que brotam do nariz e dos ouvidos como bromélias. Lia e relia o mesmo parágrafo do livro Voyage au bout de la nuit e quando soube que dali a pouco eu embarcaria para Lhasa, fez aquela expressão de desprezo tão típica e tão presente na senectude e em seguida murmurou esta frase que, com certeza, será a aquisição mais valiosa de toda minha viagem.


 “A marcha das formigas um dia fará desaparecer as pedras sobre as quais elas passam...”