domingo, 3 de janeiro de 2010

São Paulo: de desvairada a inundada III

Da mesma maneira que todo muçulmano deve ir a Meca pelo menos uma vez na vida, todo mundo deveria vir passar pelo menos um final de ano em São Paulo e, de preferência, aqui na Avenida Paulista. O dia 31 é o máximo. Primeiro, começam a chegar os singelos interioranos e suburbanos de todo o país, uns fantasiados de touros, outros de veados, outros com máscaras de políticos, outros com uma capela na cabeça, outros com bananeiras, foices, macacos e outros simbolos amarrados ao corpo. Correm como loucos atrás dos fotógrafos e dos cinegrafistas com a fantasia de serem filmados. Só pensam na Globo. Se você lhes disser que é da Globo qualquer um te dará facilmente o rabo. Mais tarde, vão surgindo dos hotéis, das bocas do metrô, das ruas paralelas e das paradas de taxi os tais participantes da São Silvestre. Um narcisismo diferenciado, é verdade. Esqueléticos uns, musculosos outros, baixinhos, barrigudinhos, exóticos e quase todos com um pedaço de esparadrapo tapando o nariz. Todos já sabem que ficarão na poeira dos quenianos, mas ficam por aí assim mesmo fazendo de conta que estão se alongando ao longo das paredes de mármore dos arranha-céus. Não vou descrever em detalhes a espera da largada porque todos já podem imaginar o quanto esse show é antropologicamente imperdível. E depois, porque a grande apoteose dessa pantomima acontece nos últimos minutos do ano com a queima de fogos e com os abraços. O rebanho ansioso e fantasiado de branco (dizem que de dois milhões e meio, mas é mentira) espremido na Avenida e olhando para o foguetório lá no alto dos prédios é demais. Bombas aqui, bombas ali, de todas as cores e potências. Os olhos voltados para os “céus” como se de lá pudesse vir alguma revelação, como se a felicidade pudesse despencar das montanhas de Saturno e como se a prosperidade fosse dinheiro. Mais bombas, foguetes teleguiados, suspiros, beijos e gritinhos de admiração. Feliz & próspero ano novo! A carência afetiva é gritante. É melancólico ver até os mais céticos, os já em estado terminal, a mendigada e todos os outros condenados da terra repetindo essa bizarrice uns aos outros. Os chefões do Estado não comparecem. Armam anualmente este circo, vão para suas praias paradisiacas e mandam seus representantes virem felicitar a turba. Feliz & próspero Ano Novo a todos os otários! Amanhã os carteiros estarão batendo às portas de suas mansardas para lhes apresentar a conta (superfaturada) dessa farra.

Ezio Flavio Bazzo

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