terça-feira, 29 de setembro de 2009

Leitor no Cairo, 1923


A fotografia ao lado (leitor no Cairo) foi feita em 1923 por Rudolf Lehnert.

Alguém, fucinhando pelos bouquinistes parisienses a descobriu impressa em forma
de postal e com o seguinte texto do poeta turco (Nedim Gursel) no verso: “Les mots comme les femmes sont partis un par un, laissant derrière eux un vide étrange, douloureux, aliénant, auquel il ne peut donner de sens, ni de nom, qu’il ne peut non plus exprimer. Il est maintenant dans ce vide. Là, il se démène pour existir, pour atteindre le monde, mais en vain!”

Seria uma bobagem ilusória e idealista achar que não se fazen mais leitores, fotógrafos e nem poetas como antigamente.

Ezio Flavio Bazzo

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O dia em que o Governador do MS ameaçou estuprar o Ministro do Meio Ambiente

Esta semana foi realmente demoníaca, reacionária e escatológica no território nacional.

I. Um ladrão entrou numa igreja na cidade de Orlândia (SP) e levou vinhos, aparelhos eletrônicos, hóstias consagradas (que para os padres é a mesma coisa que levar o corpo de Cristo) e, se não bastasse, ainda rabiscou nas paredes esta frase: SALVE LÚCIFER. Teria sido o próprio?

II. Invadiram a Embaixada Brasileira em Honduras. O senhor de chapéu (ex-presidente) que tentou dar um golpe ocultando-se na suposta democracia foi defenestrado pelos milicos que, por tradição, são mais rápidos no gatilho. Golpista não é apenas aquele que coloca os tanques e as baionetas na rua, é também o vivaldino que quer mudar unilateralmente as regras do jogo “político-democrático” para perpetuar-se mamando no poder.

III. O governador do MS ameaçou estuprar o Ministro do Meio Ambiente em praça pública depois de chamá-lo de veado e de maconheiro. Imaginem então de que esse senhor será capaz na intimidade! O ministro até que reagiu bem, atribuiu a Freud uma frase que Freud nunca disse e mandou o governador “sair do armário” etc., etc. Papo cabeça de altas autoridades! Só por curiosidade é importante lembrar que chamar alguém de VEADO é a mesma coisa que chamá-lo de tigre, macaco, urso etc. O que realmente tem conotação pejorativa (homossexual) é a palavra VIADO, fragmento da palavra TRANSVIADO dos anos 60.

Como a população reagiu? Ora, não está nem aí. Acontece com o sujeito na sociedade e no rebanho o mesmo que acontece com o sujeito num curtume. Nos primeiros dias tem a impressão que o cheiro irá enlouquecê-lo ou matá-lo, mas dias depois não sente mais cheiro algúm.

Ezio Flavio Bazzo

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Homens públicos e livros? Os piores estão sempre nos lugares mais altos.

A polêmica sobre a indicação do Sr Toffoli para o STF é fútil. Não é seu nome e nem suas qualidades o que deve ser colocado em xeque e em pauta, mas a prática obscurantista de indicar amigos para juizados e, pior, para cargos vitalícios. Toda indicação é uma fraude e todo cargo vitalício uma réplica das chanchadas monárquicas. Beirando aos sessenta anos torno-me cada dia mais convicto de que Vargas Vila estava correto quando afirmou que viver é prostituir-se. E depois, acontece com os homens na vida pública o mesmo que acontece com os livros nas bibliotecas: os piores estão sempre nos lugares mais altos.

Ezio Flavio Bazzo

sábado, 19 de setembro de 2009

Uma visita de cortesia ao Sertão e ao Conselheiro 6


De vez em quando chegam aqui no sertão os ecos da clerezia no Congresso Nacional. Desta vez até os sertanejos ficaram de cabelos em pé com o Projeto de Lei dos parlamentares que prevê a castração dos pedófilos e dos estupradores. Será que aprovariam uma lei semelhante para os corruptos e os prevaricadores? Foi o que o sertão inteiro ficou se indagando. Não é novidade que políticos costumam fazer discursos modernos em público para ganharem simpatia e votos, mas que na intimidade agem como velhos retrógrados, passadistas e defensores das teorias equivocadas de Lombroso. Claro que é mais fácil acreditar nos “transtornos congênitos” do que admitir que as perversões e os disturbios mentais do sujeito estão diretamente relacionados com as perversidades e com as doenças mentais da sociedade. Castrar é fácil. Aliás, aqui mesmo no sertão, quando os coronéis não iam com a cara de alguém, mesmo que estivesse se relacionando amorosamente com suas meninas e mulheres, simplesmente os mandavam capar. Lei do sertão! Lei da hiena! Uma espécie de canastrice eugênica. Lembra a pena de morte e a lobotomia com seus equívocos e crimes. Amanhã poderão ser os alcoolistas, depois os obesos, depois os diabéticos, depois os epilépticos... E afinal, por quê castrar seria menos criminoso que estuprar? E o que fariam com as mulheres abusadoras e estupradoras? Pelo menos o estuprador tem o alibi da tara, do vício, do desejo, da compulsão, da doença. E o Estado, com seus juízes e com seus parlamentares, em que se apoiará para despistar a mão mutiladora e sua ignomínia?

Não sejamos idiotas: é evidente que a mesma sociedade que ADOECE tem o dever e a obrigação de cuidar e de DESADOECER o sujeito, sem mutilá-lo. Se quiser instituir a castração para agradar a sete ou a oito moralistas miseráveis, que o faça, mas sabendo que, daqui para diante, nunca mais poderá abrir a boca para mencionar as aberrações cometidas nos campos do Terceiro Reich.

Ezio Flavio Bazzo

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Uma visita de cortesia ao Sertão e ao Conselheiro 5


Ao invés de admitir que isto aqui é apenas um estágio para o inferno, essa pobre gente ainda segue apostando numa “Terra prometida”, numa “Nova Jeruzalém”, num “Sertão das delícias”, num “El dorado” etc. Houve, com certeza, um erro neurológico na espécie a que pertencemos, erro que a faz vulnerável e até fascinada pela mentira, pela ilusão, pela falácia e pela fraude. As quatro da manhã já se aglomeram hordas de peregrinos na base da escadaria que vai montanha acima, pela vía-sacra sertaneja, até uma igreja construída lá no topo da pedra pelo “missionário” italiano Apolônio de Todi. Os vi, agora de manhã sentados no chão e amontoados como uma imensa trupe de mendigos, ansiosos para iniciar a subida e, lá do alto, implorarem por milagres que não existem. Euclides da Cunha, em sua época, descreveu assim o vilarejo de Monte Santo:

“A vertente oriental cai, a pique, lembrando uma muralha, sobre o vilarejo. Este ali se encosta, sobre o socalvo breve, humílimo, assoberbado pela majestade da montanha. Entretanto, é por esta acima até ao vértice que se prolonga, saindo da praça, a mais bela de suas ruas – a via-sacra dos sertões, macadamizada de quartzo alvíssimo, por onde têm passado multidões sem conto em um século de romarias. A religiosidade ingênua dos matutos ali talhou, em milhares de degraus, coleante, em caracol pelas ladeiras sucessivas, aquela vereda branca de sílica, longa de mais de dois quilômetros, como se construísse uma escada para os céus...”

É inacreditável a tolerância da sociedade organizada e esclarecida para com os absurdos da fé. Dizem combater internacionalmente a cocaína, a maconha, o terrorismo, a prostituição, o contrabando, a pornografia, a propagação de enfermidades, o racismo, a corrupção, o uso de armas, a bandidagem etc, mas com relação às patologias religiosas e às idiotices da fé, tolerância absoluta. Ultimamente se tem deflagrado uma campanha internacional contra a pedofilia, contra aqueles adultos que abusam sexualmente de crianças, mas não se tem dado um pio sequer em relação ao abuso religioso que se faz delas, nem contra sua iniciação precoce ao mundo da abstração religiosa, da fé e das incontáveis baboseiras esotéricas vigentes por todos os lados. O vídeo abaixo é, além de uma curiosidade mórbida, uma demonstração desse abuso e da maneira mais prática de psicotizar uma criança e uma sociedade.

http://www.youtube.com/watch?v=uMvlr_B9-Jk

Ezio Flavio Bazzo

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Uma visita de cortesia ao Sertão e ao Conselheiro 4

Apesar de muita gente acusar Euclides da Cunha de ter sido um “vaselina” e de só ter sido tolerado no front de Canudos por fazer o discurso que interessava ao exército e à República (sabe-se de outros repórteres que, por terem outra leitura dos fatos, não puderam permanecer cobrindo o massacre) seu texto é de uma beleza única. Quem ainda não se atreveu a ler Os Sertões deveria fazê-lo.


Curiosa a coincidência de, tanto o Conselheiro como o Euclides terem sido traídos por suas mulheres. Os chifres fizeram do Conselheiro um místico e do Euclides um imortal. Por falar em chifres, não se fala em outra coisa aqui no sertão. Em qualquer papo que se ouça está lá a metáfora com pontas. Um verso recitado por um pedinte ali na feira concluia afirmando que não há família que não tenha pelo menos um corno em seu meio.


É provável que o sexismo e que o machismo brutal dessas regiões seja apenas uma reação desesperada diante da própria deslealdade e um tipo de horror diante da hipótese de ser traído. Aliás, a relação intersexos por aqui (apesar dos aparentes chamegos) parece ser tão progressista quanto aquela dos vilarejos montanhosos do Azerbaijão.


Com a mala posta sobre a poeira da estrada a espera de um ônibus (que talvez já tenha passado) e os olhos mergulhados nos espinheiros de um Xiquexique, tento interpretar melhor a frase de J.J.Audubon que diz: “O autêntico conservador é aquele que sabe que o mundo não é uma herânça dos seus pais, mas um empréstimo dos seus filhos.”


Ezio Flavio Bazzo

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Uma visita de cortesia ao Sertão e ao Conselheiro 3



Por todos os lados, marcas da Teodicéia do Conselheiro, dele que foi fuzilado pelo exército e pela igreja da época e que agora é resgatado e usado demagogicamente por Ongs e pelos padres. O latifúndio e os coronéis continuam os mesmos e o sertanejo, tido como “um forte” é mais bem um ser pré-histórico e um miserável. Intrigam-me essas casinhas sem janelas nas laterais e a verborréia geral, esse monólogo entre surdos. A fé e o bode parecem ser a essência do ser. Foi por aqui (em Monte Santo) que o Glauber Rocha rodou seu “Deus e o Diabo nas terra do sol”. A grandeza e a astúcia do cineasta foi perceber que no sertão tudo daria um filme. O setor das carnes na feira de sábado na cidade de Euclides da Cunha – por exemplo – dariam um longa de horror. Três crimes: um contra os animais, um contra a saúde pública e um contra si mesmos. Como era de se esperar, uma bactéria ingerida no melhor restaurante da cidade e dez dias de sol nos miolos mandaram-me para um pronto-socorro. Dois soros na veia. A delicadeza da atendente ao lado da maca e o sol endiabrado entrando pela janela.

Repito: ainda escreverei um tratado contra o sol e contra toda a sujeira do mundo.

Ezio Flavio Bazzo

sábado, 12 de setembro de 2009

Uma visita de cortesia ao Sertão e ao Conselheiro 2


As quatro da manhã começa a cantoria dos galos aqui no sertão. Um deles tem o canto tão vigoroso que parece estar em baixo de minha cama. Assim que lhe acaba o fôlego vem logo a réplica, de outro, tão potente quanto, que me dá a impressão de estar sobre o guarda-roupas. O da casa vizinha responde ao canto que vem lá dos galinheiros de Bedengó, que por sua vez desafiam os de Belo Monte. E só quando o sol começa a amarelar a caatinga é que esses putos silenciam. No fundo da represa, jaz a velha Canudos, submersa e morta.

Nem mais os ossos dos fanáticos combatentes, o que não significa que Antonio Conselheiro não sobreviva por aí, nos gens e no imaginário da turba. O quê deve ter acontecido na cuca daquele maluco quando decidiu encher o sertão de igrejas e de cemitérios? Dizem que pensou até em reconstruir o Templo de Salomão aqui no meio das baraúnas e dos marizeiros, uma réplica daquele de Jeruzalém, só que com um jardim suspenso cheio de cabeças-de-frade, facheiros e de palmatórias-do-inferno. E não pensem que seus seguidores se dispersaram completamente. Hoje mesmo cruzei com uma mulher quase etérea que jurou-me estar no rastro da “Pedra do Conselheiro”.

Pedra do Conselheiro? Seria algo como o Santo Graal dos indigentes? Não soube responder-me. Pelo menos em um ponto me identifico com as idéias daquele andarilho alucinado: a República – pregava ele - é a mulher prostituta mencionada por João no Apocalipse.

Ezio Flavio Bazzo

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Uma visita de cortesia ao Sertão e ao Conselheiro 1


O ônibus clandestino que parte diariamente de Jerimuabo para Canudos oferece aos passageiros uma oportunidade única de reflexão sobre o sentido e a razão da vida. Noventa quilômetros feitos estoicamente em seis horas. Foram incontáveis as vezes em que o Velho Conselheiro e seus beatos fizeram essa travessia. O matraquear das ferragens, a poeira, a temperatura, o estradão cheio de caveiras, de pedras soltas e de buracos.

A cada cem metros alguém subindo ou alguém descendo com malas, caixas, sacos, baldes, galões e cheiros. A mais exótica foi uma negra com tetas esplendorosas que levava uma montanha de ovos caipiras. Vendeu quase todos a bordo.

Os fregueses tiravam magicamente sacos dos bolsos, escolhiam os ovos mais pontudos, os armazenavam cautelosamente, davam um nó no plástico e passavam o resto da viagem equilibrando-os sobre a barriga ou sobre os culhões. Em alguns momentos éramos uns cinquenta passageiros sentados e uns cinquenta em pé. Aquela lataria velha continuava deslizando por sobre as pedras soltas. Todo mundo falava ao mesmo tempo, ria, tossia. Uma família inteira espalhava gripe para todos os lados do sertão. Numa das primeiras poltronas instalaram uma velha paralítica que, a cada parada brusca ficava por uns instantes coberta de poeira.


Cabritas delicadas por entre as trincheiras perigosas da macambira. Casebres e vilarejos cravados no meio da caatinga, da poeira e bombardeados pelo sol, um sol verdadeiramente maligno, o mesmo que Euclides da Cunha, nos quinze dias que passou por aqui, dizia que era um inimigo a quem se devia evitar, iludir e, principalmente, combater.

Ezio Flavio Bazzo

terça-feira, 1 de setembro de 2009

E a esposa de LÓ foi tranformada em uma pedra de sal... (Genesis, 19.26)

O delírio e a teatrada relacionada ao tal do pré-sal foi tão evidente hoje a tarde aqui na capital, que as ações da Petrobras ao invés de subirem, cairam. Os mais velhos não se esquecem que o mesmo teatro foi encenado na época do “Petróleo é nosso”. Lá também quatro ou cinco “estadistas” delirantes juraram de pés juntos que se estava às portas do paraíso e que, dali para diante, seria fácil, com os dividendos provenientes dos poços de petróleo emancipar as escorias e os indigentes. Neste meio século alguém testemunhou alguma mudança? E depois, não precisa nem ser um adivinho para saber que o petróleo - já usado pelos bárbaros há quatro mil anos antes de Cristo - e mesmo os biocombustíveis, são recursos energéticos arcáicos e obsoletos, combustíveis sujos, incompatíveis com nossos alvéolos pulmonares e com a atualidade tecnológica. Não é preciso nem ser um profeta para saber que quando as bombas, os canos e aquelas parafernálias todas, finalmente, forem instaladas lá nas profundezas do mar para sugar para a superfície aquele “ouro negro” e aquela porcaria fóssil e poluente o mundo todo já estará sendo movido a células de hidrogênio ou a baterias elétricas. Quatro ou cinco países – confessadamente - já estão com tudo disponível. Portanto, ao invés de se investir em plataformas, em refinarias, em postos de gasolina, em frentistas e em castelos de fumaça bem que se poderia investir em inteligências, em cérebros e em pensadores. Qualquer eletricista de fundo de quintal sabe que daqui para diante os carros, os trens, os navios e os aviões funcionarão meses inteiros movidos apenas por uma única bateria do tamanho de uma caixa de fósforos. Para estancar as lamurias dos ufanistas, quem sabe, se aproveite o sal?

Ezio Flavio Bazzo