sábado, 30 de maio de 2009

Está lá no livro das maldições: a cada nova árvore derrubada, mais mil anos de indigência.


Figuras quase medievais vindas de todos os cantos do país troteavam felizes nesta quarta-feira de sol pela Esplanada dos Ministérios. Umas, iam enfiadas em seus chapéus, outras ocultas atrás de seus ray bans, quase todas brincando com seus celulares, com suas bandeiras ou com seus rádios. A voz potente dos animadores vinha lá do alto de um caminhão fazendo todo mundo repetir em coro: Somos o grito da terra! Frases feitas e chavões inocentes que iam se confundindo ao ruído das hélices do helicóptero da PM, às sirenes das viaturas e ao trânsito caótico e congestionado com os DAS4 ao volante, as cabeças para fora, esbravejando, furiosos por ainda não poderem estar em seus respectivos escritórios lambendo as botas de algum DAS6.

Viver aqui nesta ficção urbanóide de Lucio Costa e de Niemayer tem esse tipo de vantagem: quase todos os dias se podem assistir shows diferentes. Hoje são eles, ontem foram os aposentados; depois de amanhã serão os Sem Terra; os Sem Teto e depois serão os latifundiários com suas ceifadeiras agrícolas. Na semana que vem serão os criadores de zebus; depois os peões amazônicos com suas afiadas motos-serra e as cortesãs da DASPU. No início de junho as mulheres de militares; os meninos de rua; depois as caravanas de vereadores; depois vem Corpus Christi; o Dia do Orgulho Gay; depois a UNE e os atingidos por barragens. Depois virão os simpatizantes da Coréia do Norte; das feministas; do emplacamento das carroças do DF; do uso das células-tronco; os que combatem o aborto e a eutanásia e os que defendem a libertinagem dos padres. Numa terça feira-qualquer aparecem os funcionários de cassinos, há outro tratoraço, desfilam os ex-combatentes e no mesmo dia os professores injuriados ameaçam suicidarem-se. Sem falar que pode estar em pauta para o próximo semestre a vinda dos seringueiros, dos flagelados de Santa Catarina e do Ceará, os índios Xavantes, os que são contra a transposição do Rio São Francisco etc.. Curiosamente, nas longas décadas que habito este deserto nunca vi uma passeata de banqueiros, nem de comerciantes, de juízes, de senadores, deputados etc., nem de donos de imobiliárias, de pastores de padres e nem de jornalistas.

O caminhão estacionou em frente ao Ministério do Meio Ambiente. Primeiro discursaram os líderes do movimento, depois o Ilmo.sr. Ministro. Os discursos (sobre a devastação das florestas) foram impecáveis, cordiais, politicamente corretos e quase religiosos. Duvido que algum político finlandês ou norueguês se atreva a idealizar e a papaguear tanto. Enquanto assistia a aquele show de frases e de palavras ia lembrando não apenas que a selva amazônica está permanentemente em chamas, mas também daquilo que Cioran tanto nos prevenia: “quanto mais bem formuladas estejam as idéias, quanto mais explícitas elas forem, menor será sua eficácia e uma idéia clara é sempre uma idéia sem futuro”.

Se pelo menos cinco por cento do que se garganteia aqui nos trópicos fosse cumprido e realizado já teríamos arrancado o país dessa penúria e desse campo penitenciário em que se encontra e não apenas as árvores seculares da Amazônia, mas o cerrado, a caatinga e a mata atlântica com seus rios, com suas fontes e com seus porcos-espinhos já estariam a salvo de nossas unhas, de nossas mandíbulas e de nossas taras.

Ezio Flavio Bazzo

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Palavras, sentimentos & versos satânicos


Assistindo ao video no endereço abaixo, Vargas Vila, o maior de todos os escritores colombianos, com certeza diria: O SOL SECA OS CURSOS DE ÁGUA DAS ENXURRADAS, MAS NÃO TEM PODER ALGUM SOBRE O CAUDAL ENORME E POTENTE DOS GRANDES RIOS.



terça-feira, 26 de maio de 2009

Fragmentos do Manifesto aberto à estupidez humana 2



I. JÁ SENTISTE VONTADE DE NÃO LER MAIS JORNAIS E DE QUEBRAR EM MIL PEDAÇOS O TEU TELEVISOR?

Neste caso compreendeste que:


a) Os jornais, a rádio e a televisão são os veículos mais ridículos da mentira. Não apenas nos afastam dos verdadeiros problemas como empurram todos os indivíduos a identificarem-se com imagens feitas e a colocarem-se abstratamente no lugar de um chefe de Estado, de uma vedete, de um assassino, de uma vítima, enfim, a reagir como se fosse outro. As imagens que nos dominam são o triunfo do que nós não somos e daquilo que nos aliena de nós mesmos, daquilo que nos transforma em objetos a classificar, a etiquetar e a hierarquizar segundo o sistema de mercadorias universalizadas.

b) A educação de massas no Brasil é construída por sete ou oito apresentadoras de TV analfabetas e que existe uma linguagem subterrânea na boca dessas cretinas a serviço da moral vigente e do Poder. Essa bovinização não está apenas na informação, na publicidade, nas idéias feitas, nos hábitos e nos gestos condicionados. Está também em toda linguagem da vida cotidiana, isto é, em toda e qualquer linguagem que não está posta a serviço de nossa soberania pessoal e de nossos prazeres.

c) O sistema mercantilista impõe suas representações, suas imagens, e seus sentidos, cada vez que alguém trabalha para ele. Isto é dizer que se impõe a maior parte do tempo. Este conjunto de idéias, imagens, identificações e condutas determinadas pela necessidade de acumulação e de renovação de mercadorias formam o espetáculo onde cada um representa aquilo que não vive e onde cada um vive falsamente aquilo que não é. É por isso que na atualidade o papel e a função de cada um é a mais deslavada das mentiras e um mal estar sem fim.


d) O circo/espetáculo (ideologias, cultura, arte, papéis, imagens, representações, palavras-mercadoria, riqueza etc.) é o conjunto das condutas sociais pelas quais os homens, no sistema mercantilista, participam dele contra eles mesmos, convertendo-se em meros objetos de sobrevivência, renunciando ao prazer de viver realmente para si e de construir livremente sua vida.


e) Sobrevivemos em um conjunto de imagens com as quais somos empurrados a identificar-nos. Atuamos cada vez menos por nós mesmos e cada vez mais em função de abstrações que nos dirigem segundo as leis-de-cão do comércio e da fé.


f) Os papéis ou as ideologias podem ser favoráveis ou hostis ao sistema dominante, isso não importa muito, uma vez que permanecem no espetáculo. Apesar do blábláblá de muita gente por aí, só é revolucionário aquilo que destrói a mercadoria e seu sistema.
... e que vivemos numa realidade invertida, usando máscaras que imitam a vida verdadeira e que acabam por empobrecê-la. Já lutas, conscientemente ou não, por uma sociedade onde o direito à comunicação real pertença a todos, onde cada um possa dar a conhecer o que bem quiser, onde a construção de uma vida apaixonante liquide de uma vez por todas a necessidade de “representar” e de dar mais importância às aparências do que ao vivido autenticamente.

II. JÁ EXPERIMENTASTE A SENSAÇÃO DESAGRADÁVEL DE NÃO TE PERTENCER OU DE SER ESTRANHO A TI MESMO?


Neste caso compreendeste que:

a) Através de cada um de nossos gestos mecanizados, repetidos, separados uns dos outros, o tempo se desmantela e, pedaço a pedaço, nos arranca de nós mesmos. E estes tempos mortos se reproduzem e se acumulam trabalhando e fazendo-nos trabalhar para a reprodução e para a acumulação de mercadorias.


b) O envelhecimento não é outra coisa, hoje em dia, que o acréscimo dos tempos mortos, do tempo onde a vida se perde. É por isso que já não existem jovens nem velhos, apenas indivíduos mais ou menos vivos. Nossos inimigos são aqueles que acreditam e que fazem acreditar que uma mudança global é impossível. São os mortos que nos governam, e mortos os que se deixam governar.


c) Trabalhamos, comemos, lemos, dormimos, consumimos cultura, tiramos férias, recebemos cuidados e assim sobrevivemos para um sistema totalitário e desumano, para uma religião de coisas e de imagens que nos recupera quase em todas as partes e quase sempre para aumentar o lucro e para consumir as migalhas do Poder e da classe burocrática-burguesa.


d) Criando apaixonadamente as condições favoráveis ao desenvolvimento das paixões, queremos destruir o que nos destrói. A revolução é a paixão que permite todas as demais. Paixão sem revolução não é mais que a ruína do prazer.
...e que de fato, estás farto de arrastar tempos mortos em obrigações. Já lutas, conscientemente ou não, por uma sociedade cuja base não será nunca mais a profissão para o proveito do poder, mas sim para a busca de harmonia das paixões de viver.

Ezio Flavio Bazzo

domingo, 24 de maio de 2009

Fragmentos do Manifesto aberto à estupidez humana



I. JÁ SENTISTE, PELO MENOS UMA VEZ, O DESEJO DE CHEGAR TARDE A TEU TRABALHO E DELE SAIR O MAIS CEDO POSSÍVEL?

Neste caso compreendeste que:

a) O tempo de trabalho tem peso duplo, porque é tempo perdido duas vezes: como tempo que seria mais agradável se empregado no amor, no sonho, nos prazeres e nas paixões, por um lado, e como tempo de desgaste físico e mental, por outro.

b) O tempo de trabalho absorve a maior parte de nossa vida, uma vez que determina também o tempo chamado “livre”, o tempo de ócio, de transporte, de almoço, de distração. Desta maneira, atinge o conjunto da vida cotidiana de cada pessoa e tende a reduzi-la a uma sucessão de instantes e de lugares que possuem em comum a mesma repetição vazia e a mesma e crescente ausência de vida.

c) O tempo de trabalho “forçado” é uma mercadoria. Em qualquer parte onde exista mercadoria, existe trabalho forçado e quase todas as atividades, pouco a pouco, vão se aliando a ele: produzimos, consumimos, comemos e dormimos para um patrão, para um chefe, para o Estado, para o sistema da mercadoria generalizada. Sem falar que trabalhar mais é viver menos, etc.

...e já lutas, conscientemente ou não, por uma sociedade que assegure a cada um o direito de dispor por si mesmo do tempo e do espaço, de construir sua própria vida, como a desejar.



II. JÁ SENTISTE, PELO MENOS UMA VEZ, O DESEJO DE NÃO TRABALHAR MAIS, SEM QUERER FAZER COM QUE OUTROS TRABALHEM PARA TI?

Neste caso, compreendeste que:

a) Se o trabalho forçado produzisse apenas bens úteis, tais como vestidos, alimentos, técnica, etc., nem por isso seria menos opressor e menos desumano, porque o trabalhador seguiria sendo alienado de seu produto e submetido às mesmas leis trabalhistas em proveito do poder. O trabalhador continuaria passando no trabalho dez vezes mais do que o tempo necessário para uma organização atrativa e criativa, capaz de colocar à disposição de todos um número de bens cem vezes maior.

b) O objetivo do sistema mercantilista que domina em todas as partes, não é, como pretendem nos fazer crer, produzir bens úteis e agradáveis para todos... Sua finalidade é produzir mercadorias, independente do que estas possam ter de útil, inútil ou contaminante. As mercadorias não têm outra função além da de manter o lucro e o poder da classe dominante. Em um sistema como esse todos trabalham para nada e cada vez possuem mais consciência disso.

c) Acumulando e renovando as mercadorias, o trabalho aumenta o poder dos patrões, dos burocratas, dos chefes, dos ideólogos. Converte-se dessa forma, em desgosto dos trabalhadores. Toda interrupção do trabalho é uma maneira de voltarmos a ser nós mesmos e um desafio àqueles que nos escravizam.

d) O trabalho alienado produz apenas mercadorias e toda mercadoria é inseparável da mentira que representa. O trabalho alienado produz mentiras, produz um mundo de falsas representações, um mundo ao avesso, no qual a imagem ocupa o lugar da realidade. Neste sistema espetacular e mercantilista, o trabalho alienado produz duas mentiras importantes, relacionadas com ele: a primeira é que o trabalho é útil e necessário e que trabalhar é de interesse de todos; a segunda é pensar que os trabalhadores são incapazes de emancipar-se do trabalho e do salário, como se não pudessem edificar uma sociedade radicalmente nova, fundada na criação coletiva e atraente, e sobre a autogestão generalizada.

...e já lutas, conscientemente ou não, por uma sociedade onde o trabalho alienado deve dar lugar a uma criatividade coletiva, regulada pelos desejos de cada um e pela distribuição gratuita dos bens necessários para a construção da vida cotidiana. O fim do trabalho alienado significa o fim do sistema onde dominam o proveito pessoal, o poder hierarquizado e a mentira geral. Significa o fim do sistema mercantilista e o começo de uma mudança global de todas as preocupações e da harmonia das paixões, que, por fim liberadas e reconhecidas, vão substituir a corrida neurótica pelo dinheiro e pelas migalhas do Poder.


III. JÁ TE ACONTECEU SENTIR FORA DO LUGAR DO TRABALHO O MESMO DESGOSTO E A MESMA APATIA QUE SENTES NA EMPRESA?

Neste caso, compreendeste que:

a) A empresa está em todas as partes. É o amanhã, o metrô, o carro, a paisagem destruída, a maquina, os chefes, a casa, os jornais, a família, o sindicato, a rua, as compras, as imagens, o pagamento, a televisão, a linguagem, a escola, o matrimônio, a depressão, o hospital, a noite. É o tempo e os espaços da sobrevivência cotidiana. É o condicionamento aos gestos repetidos, às paixões reprimidas e vividas por procuração através de imagens.

b) Toda atividade reduzida à sobrevivência é um trabalho forçado. Todo trabalho forçado transforma o produto e o produtor em objeto de sobrevivência, em mercadoria.

...e já lutas, conscientemente ou não, por uma sociedade onde as paixões sejam tudo, o aborrecimento e o trabalho nada. Até hoje, a luta pela sobrevivência nos impediu de viver. Agora, a partir de agora, queremos inverter as coisas e desfrutar de uma felicidade real, do prazer soberano, o mais distante possível das mentiras instituídas.

Ezio Flavio Bazzo

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Memórias de uma mendiga sobre o cio de sua gata


“- Qual madame dessa sociedade hedionda já acompanhou o primeiro cio de uma gata? Qual o homem que teve a paciência de ignorar a máquina infernal da sociedade por uns momentos e acompanhar os estremecimentos e a tortura que o cio provoca? Observando aquela pequena pantera doméstica que não encontrava sossego em nenhuma posição e que era subjugada e obrigada pela biologia e pelo instinto a buscar um macho e a reproduzir sua espécie ficava meditando sobre a maldade da vida. Sobre o destino cruel das carnes. Sobre a objetização de todos os seres por uma força invisível e cruel que, da clandestinidade dos genes, dita ordens irrefutáveis...

Entre meus devaneios — prosseguia a mendiga — uma conclusão era mais do que óbvia: quão cruel e violenta deve ter sido a luta da civilização para sufocar o cio humano! Como as fêmeas primitivas que hoje são mendigas como eu, mães, putas, filhas, avós etc., devem ter sido amaldiçoadas, sufocadas e destruidas para poderem conquistar o silêncio onde estão. Nenhum miado, nenhum escândalo, nenhum desassossego... Apenas uma cólica mensal, um hálito um pouco mais forte... Nada que um um chá de losna não resolva. Quantos milhões de anos foram necessários para reduzir na mulher esse cio, para colocá-lo sob controle, para proibir esse choro noturno inconsolável? Quantas ameaças e quanto espanto deve ter assaltado a sexualidade feminina, para que a mulher pudesse chegar a esse oceano sem tormenta e nele ancorar para sempre?

Quatro, cinco, seis horas da madrugada. A gata choramingava por entre os bagulhos do barraco, rolava pelo chão ressecado, inventava mil posições, criava seu Kama Sutra, lambia-se em alucínio, ia ao barraco vizinho e clamava por qualquer coisa que pudesse vir a ser o objeto de seu cio... Mas a noite era escura demais! A noite era escura para ela e para os mendigos que dormiam, tão escura e tenebrosa que nem o eco de seu chamado retornava ao canto onde pemaneciamos domados. Às vezes ouvia-se os resmungos de uma companheira de infortunio que sentia-se incomodada pelo “escândalo” supremo daquela fêmea. A gata, além de não deixá-la dormir, devia, com seus miados libidinosos, rememorar suas origens remotas e mutiladas...

O dia quase amanhecia, a paixão ainda a atormentava e ela tentava construir à sombra do barraco, entre bengalas e latas velhas o seu “Deus” e até mesmo o seu “Everest”. Não conseguia. Reprimi-a! Ergui contra ela esta voz de mulher acostumada a pedir restos, por misericórdia! Chutei-lhe o traseiro, exatamente como fizeram comigo e com todas as “fêmeas” durante séculos. Então ela calou-se. Sufocou seu miado. Encolheu-se por debaixo de um cobertor deixando apenas ver o resplendor de seus olhos. Senti que pelo menos por uns instantes minha violência era mais implacável que a violência dos genes... “

A velha mendiga repetiu essa frase várias vezes olhando-me diretamente nos olhos para depois fazer um longo silêncio e concluir:

“Talvez o que é esnobemente conhecido por desejo pelos lunáticos da atualidade, não seja mais do que a última migalha dessa fúria que, pela ação do chicote, deslocou-se de entre as pernas para a memória...”

Ezio Flavio Bazzo

terça-feira, 19 de maio de 2009

É Direito do Consumidor escolher entre restos de insetos ou Colliformes Fecallis


Os burocratas da Secretaria de Saúde concluiram as análises que vinham fazendo e deram mais um veredictum sobre vegetais, legumes, grãos etc à venda nos melhores e mais chiques mercados da cidade. Resultado: 80% inapropriados, sujos, contaminados. Em algumas embalagens haviam vestígios de pelo menos 15 espécies de insetos. O que é um inseto? Vespas, formigas, louva-a-deus, percevejos, besouros, borboletas, grilos, moscas, baratas etc. Como neste país há exagero de veredictum e carência de condenações, algumas pessoas juram que a partir de agora irão optar pela anorexia; outras, que vão assumir a obsessão na limpeza enquanto outras nem se importam, lambem os bigodes e os beiços diante de qualquer merda comestível e até juram que os insetos têm proteínas que combatem os radicais livres. De minha parte – sem nenhuma ironia - prefiro os insetos aos dejetos, patas de moscas aos conhecidos Staphilococus Aureus e aos eficientes Colliformes fecallis através dos quais o populacho se vinga dos patrões e da burguesia. Prefiro ingerir muito mais aquilo que fica nas garras dos grilos ou nas asas dos louva-a-deus de que aquilo que fica por debaixo das unhas dos atendentes, dos cozinheiros, açougueiros, verdureiros etc. É curioso que mesmo sabendo que o sabão foi a peça fundamental na revolução da medicina e da organização sanitária do mundo lavar-se as mãos continua sendo um incomodo e um verdadeiro tabu. Nas lanchonetes os atendentes espiram o dia inteiro e sem cerimônias sobre os pratos, coçam o saco, enfiam os dedos nas narinas e palitam os dentes sobre os fogões. Nos próprios hospitais e clinicas não há pias, sabão e nem toalhas adequadas para os profissionais e muito menos para os pacientes. Passa-se o dia inteiro com as mãos infestadas como nos tempos de nossos bisavós que usavam lenços improvisados para nele depositarem o catarro e outras porcarias. Assoavam de meia em meia hora lá naquele pedaço de pano e o enfiavam em seguida no bolso traseiro das calças onde ficava até o outro dia ou até a outra semana. Um mundo de nojeiras. Sem cair na demagogia, a verdade é que a humanidade nunca soube lidar verdadeiramente com seus buracos e nem com seus dejetos.

Ezio Flavio Bazzo

domingo, 17 de maio de 2009

A necessidade de subverter alguma coisa neste Reino de Amebas


Quem é que não sente uma chispa de alegria quando vê que o mundo não é feito apenas de grunhidos e nem só dos berros da manada que marcha para o matadouro? Devemos reconhecer que por mais raro que seja de vez em quando, aqui e acolá, algumas pessoas se impõem e se insurgem pela violência ou pelo sarcasmo ao sistema escatológico que se instalou no planeta e que parece irremovivel. É o que está acontecendo na pequena cidade de Linz, na Austria, com a Feira de Subversão.

Que ela nos sirva para lembrar que ao invés de ficar obrigando as crianças do Primeiro e do Segundo graus a lerem Lins do Rego ou Machado de Assis se deveria exigir de cada uma delas que, durante seu período escolar inventassem uma forma prática de DESOBEDIÊNCIA CIVIL. Os livros de Thoreau e não os de José de Alencar deveriam estar na mochila desses estudantes e o Executivo, o Legislativo, o Judiciário, o Clero e a Mídia deveriam ser os principais alvos.

Depois, claro, se passaria para o Síndico, para o padeiro da esquina, para a família desvairada, para a escola-prisão, para os comerciantezinhos descarados que colocam veneno nos alimentos ou que falsificam remédios. Parafraseando a Alex Ross, só quando tivermos chacoalhado todo esse lixo e toda essa poeira imunda a justiça poderá ser feita.

Ezio Flavio Bazzo

sábado, 16 de maio de 2009

Minha compreensão da arte é igual a de meu cachorro


Quando o guarda apareceu afoito eu já havia clicado e a foto da Senhora com faisões, de Iliá Machkov, 1911 estava feita. Jurei não ter visto a proibição no umbral de entrada e ele, jurou-me que acreditava piamente em mim. Como diria Lautrèamont: cada um reconheceu no outro sua própria degradação.

Quem nunca foi ao Museu Estatal Russo de São Petersburgo pode vir agora aqui na beira do lago bisbilhotar parte de seu acervo, estas 123 obras da Vanguarda Russa. Diz a curadora que se trata do que há de mais importante no mundo do Não-Objetivismo, do Supramatismo e do Construtivismo. Para mim, aliás, essa nomenclatura é tão volátil e tão incompreensível como o Mistério da Santíssima Trindade. De cara se percebe que o velho Chagall – com seu Promenade -, mereceu um lugar especial na galeria. Do famoso Kandinski, só roubaria uma telazinha de dois palmos quadrados intitulada: Igreja Vermelha. Entretanto levaria para casa além de Os dois camponeses, de Natalia Gontcharova (1911), o Barbeiro, de Lariónov (1907). Atrás dos que admiram a tela de Lariónov, está outra preciosidade de Filip Maliávin: Verka, 1913 e no final do circuito a melhor de todas, intitulada Mãe, 1915, de Kuzma Petrov-Vódkin. Como minha compreensão de arte não é diferente da de meu cachorro não restam dúvidas de que minhas preferências foram rastreadas e identificadas por puro instinto, o mesmo instinto que me autorizaria a condensar (sem culpa) as 123 em apenas sete.

Ezio Flavio Bazzo

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Em Brasília, a longa espera do demônio


A parada de ônibus onde um anônimo pintou o demônio (da foto ao lado) fica a uns trezentos metros do local onde funciona uma seita (ou uma nova igreja?) nomeada A Cova de Jacó. Fui à Bíblia - por pura curiosidade - e vi que esse personagem (Jacó) é uma das principais estrelas do Gênesis. Posso estar distorcendo os fatos, mas depois que apareceu esse desenho ali, a parada está sempre vazia. Os frentistas do posto que fica ao lado passaram a levar um patuá ao pescoço e se benzem antes de encostar as mãos na gasolina. Os lixeiros baixam os olhos quando passam pelo local e as velhinhas da quadra só saem de casa para comprar pão e remédios, e ainda assim, sempre com um vidrinho de água benta ou com um escapulário na bolsa. Todo mundodos arredores está ansioso para saber se o governador irá, finalmente, despachar um assessor, a tropa de choque ou os bombeiros para apagar aquela imagem. Mas como todo mundo é esotérico por aqui e todo mundo tem cu, vão deixando o Demo lá, olhando soberbamente para a desgraça cotidiana, certo de que Ele sim é o Cara.

É compreensível que o resto do país pense que Brasília é uma urbe da estepe e naturalmente ateísta, mas não há engano maior. Aqui, em cada esquina existe uma seita, uma congregação, um Centro, uma paróquia, algum retirante iluminado que construiu um barracão e passou a vender ingressos para o Reino Dos Céus. Até nos fundos, nas garagens, nos gabinetes, nos banheiros etc., do Congresso Nacional sempre se pode encontrar grupos de oito ou dez pessoas de mãos dadas, em círculo, rezando em voz alta ou dizendo bobagens incompreensíveis uns para os outros. Na Lista Telefônica desta cidade, da página 270 até 272 - para que se veja - são só telefones de igrejas, e cada uma com nomes mais lunáticos e incríveis que as outras. Vejam algumas com nomes mais significativos: Congregação dos Religiosos Terciários; Vale da Benção; Manancial de vida; Evangelho Quadrangular; Vale do Amanhecer; Exército de Salvação; Igreja Santo Cura D’ars; Igreja da Vinha; Perfect Liberty; Lectorium Rosicrucianum; Lumen Dei; Ministério Cristão da Restauração; Mitra arquidiocesana; Movimento Eureka; Oratório Soldado; Padres Estigmatinos; Nossa Senhora Consolata; Sukyo Mahikari; Pronto Socorro Espiritual; Igreja Maanaim; Menino Jesus de Praga; Centro Espírita Cantinho da Fé; Santos dos Últimos Dias; Comunidade Evangélica Boa Semente; Nossa Senhora das Dores; Nova Canaã; Maranata; Sociedade Maçônica Filhos de Salomão; Sindicato dos teólogos confederativos; Shalon; Amor sem fronteiras; Sarca Ardente; Assembléia dos primogênitos; Nossa Senhora da Medalha Milagrosa; Apocalipse Pentecostal; Sara nossa terra; Centro Budista Tibetano; Bom Jesus dos migrantes; Maná Novo; Mil vezes Imaculada etc etc etc.

Parece evidente que se houvesse alguma alternativa depois da morte, qualquer sujeito lúcido apostaria todas suas fichas e suas esperanças no inferno para não correr o risco de ter que cruzar novamente com esses dementes em outro mundo.

Ezio Flavio Bazzo

Recomendo vídeo no endereço:
http://www.youtube.com/watch?v=CF1-IS0yDCs

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Garotos são estúpidos, joguem pedras neles


“Logo na primeira metade desta década, "simpáticas" camisetas com o desenho de um garoto correndo de cinco pedras e, ao lado, os dizeres: "Boys are stupid, throw rocks at them" (garotos são estúpidos, joguem pedras neles) apareciam em várias vitrines de lojas especializadas nos EUA. O que era só uma "brincadeira" da David and Goliath, uma companhia de roupas de Clearwater, Flórida, acabou virando tema de debate nacional quando a revista estadunidense Times publicou um artigo sobre o tema, junto com o depoimento de uma garota de dez anos: "Eu quero deixar os meninos tristes, porque é divertido.

Em dezembro de 2003, o apresentador de rádio e ativista dos direitos dos homens, Glenn Sacks, iniciou uma campanha contra a famigerada linha de camisetas. E logo se juntaram outros ao coro de reclamações, como a National Coalition of Free Men. Pode parecer bobagem tanta briga por causa de umas camisetas idiotas, mas a verdade é que se se trocassem "boys" por "girls" ou "black people", por exemplo, a reação seria ainda pior. Que tipo de sociedade é essa em que estigmatizar e humilhar homens é moralmente aceitável? Em que um menino não pode bater numa menina, mas em que meninas batendo em meninos não causa comoção alguma?” (Texto retirado do blog de ramondemon.wordpress).

Essa matéria, de aparência singela e cômica traz a tona um assunto dos mais negligenciados e dos menos discutidos tanto no ontem como no agora: o acosso moral, a chantagem, a manipulação, a exploração e a crueldade, em sintese, a violência simbólica das mulheres contra os garotos e contra os homens. Mas esse é um assunto para outra pauta, e o mais protegido possível das pedras...

Ezio Flavio Bazzo

terça-feira, 12 de maio de 2009

A arte de roubar, lavagem de dinheiro e a vida como ela nunca foi


Depois de assaltarem magistralmente o banco que fica dentro do Quartel General do Exército aqui em Brasília e saírem - cercados de fuzis por todos os lados - como se estivessem indo para um retiro espiritual deram um show também lá em SP com o álibi do buquê e o furto de quatro telas numa mansão. Levaram Retrato de Maria e Cangaceiro, de Portinari; Figura Azul, de Tarsila, e Crucificação de Jesus de um tal de Teruz.

Gostaria imensamente de entrevistar esses bandidos. Devem ter histórias e conceitos sobre a espécie que os simples mortais nem imaginam. Aos gatunos de Brasília – por exemplo - perguntaria objetivamente: como souberam que os generais e a soldadesca do QG dormiam em berço esplendido naquela hora do dia? Aos de SP indagaria: o que lhes fez achar que aqueles rabiscos sobre tela teriam algum valor?


Que digam por aí que as quatro obras juntas valem três milhões e tanto é ou distúrbio de personalidade ou cumplicidade com os larápios. Duvido que alguém normal, sem necessidade de lavar dinheiro, pague mais de um salário mínimo por cada uma daquelas obras. À da Tarsila, ainda, ainda, dependendo da moldura, daria para pagar um salário e meio. Mas, o que é verdadeiramente surpreendente, até mais que a habilidade dos ladrões, é ouvir a mídia (burguesa ou proletária) em geral se referindo à região onde ocorreu o furto como sendo a “Zona nobre de SP”. Zona nobre? Como assim?

Ezio Flavio Bazzo



domingo, 10 de maio de 2009

Balada para uno de los nuestros


Antes das oito da manhã, nas imediações do Hospital Universitário me deparava frequentemente com um sujeito de uns trinta e tantos anos, visivelmente transtornado que enquanto o sinal estava vermelho corria de um carro a outro recitando frases incompreensíveis ou implorando aos motoristas, em castelhano, uma ou duas moedas. Sua roupa era a mais esquisita possível, levava correntes nos tornozelos, cordas nos braços, uma fita na testa, fotos coladas no casaco e algumas vezes um cartaz contra a igreja católica chilena ou contra a polícia argentina. Um dia disse-me ser um exilado argentino, uma semana depois me fez entender que era exilado chileno. Naquelas horas da manhã a maioria dos motoristas (por medo ou por pura indiferença) sequer abria o vidro do automóvel para ouvi-lo e raramente alguém lhe estendia timidamente a mão para passar-lhe uma moeda de cinqüenta centavos ou uma nota de dois reais. Ele não se comovia. Não se irritava com quem o ignorava e nem se humilhava para aqueles que lhe davam alguma migalha. Parecia, realmente, estar além do bem e do mal. Às vezes sorria por nada, outras vezes dialogava com seus fantasmas. Ia e vinha incansavelmente de um lado a outro durante toda a manhã e às vezes até durante toda à tarde. No dia em que resolvi dar-lhe um livro parecia ter saído por uns instantes daquela posição autista. Leu atentamente o título, deu uma olhada na contra capa, gargalhou e enfiou a cabeça para dentro do carro para dar-me um longo beijo na cabeça e em seguida começar a cantar e a dançar sobre o meio fio a conhecida Balada de un loco do velho Piazolla.


“Loco, loco, loco... Como un acrobata demente saltaré... Loco, loco... Salgamos a volar querida mia... Viva, viva los locos que inventaran el amor... Provoco el campanário con mi risa y canto a media voz.... Loco, loco... Queredme asi piantado... piantado... Piantado... Volar, volar... La mágica locura total.... Viva, viva los locos... Loco el, loco yo... Locos todos... “

Depois desse dia sumiu, para só reaparecer hoje, meses depois, em outro semáforo, quase ali junto ao Banco Central. Mais magro, perdeu uns dez quilos, continua cheio de badulaques amarrados ao corpo. Reconheceu-me e berrou lá do outro lado da pista: “Para salvar-se da imbecilidade, não basta ser um pensador holistico”.


Ezio Flavio Bazzo


(ver vídeo no endereço abaixo)
http://www.youtube.com/watch?v=hp_0D143ZEw&feature=related


sábado, 9 de maio de 2009

Julio Jaramillo canta para su santa madrecita


Além dos festejos greco romanos em homenagem às deusas e às cortesãs de suas respectivas épocas e mitologias, o dia das mães que hoje se comemora no ocidente e aqui nas Américas teve origem nos EEUU em 1905, quando uma filha de pastores mergulhada na depressão pela morte de sua mãe comoveu suas amigas a tal ponto que, para tentar tirá-la daquele torpor, resolveram homenagear a defunta com uma festa. Anos depois, sob o lobby dessa mesma moça, o governo americano decretou o segundo domingo de maio como dia de festa em homenagem a todas as mães. Em 1918, Seduzida pela idéia a Associação Cristã dos moços de Porto Alegre lançou a mesma proposta no Brasil, que em 1932 foi instituída pelo senhor Getulio Vargas.

Na América Latina e nos países latinos em geral o papel que a mãe ocupa no “seio da família” é visivelmente doentio e a idolatria que lhe dedicam só é comparável a da Imaculada Conceição. No México, na Colômbia, no Equador, Bolivia etc., la madre es todo! A encarnação da bondade, da renuncia, do sacrifício, da melancolia disfarçada de sobriedade etc. Vejam no video abaixo uma música de Julio Jaramillo (esse cantor de puteiros andinos que era considerado el Ruiseñor de América) exaltando escandalosamente a su santa madrecita.



Ezio Flavio Bazzo

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Os que latem através do CURRICULUM LATTES


Não são todos os usuários da Plataforma Lattes que sabem por que a mesma recebeu esse nome. Filho de uma família de judeus italianos radicada em Curitiba, César Lattes era conhecido por sua obsessão pelos raios cósmicos. Foi ele que instalou lá nos Andes bolivianos um laboratório com chapas fotográficas para registrar a intimidade cósmica e que descobriu a nova partícula atômica conhecida por Méson pi.Foi em sua homenagem, como físico brilhante, que o CNPq nomeou de Curricullum vitae Lattes sua base de dados sobre professores e pesquisadores.

Pois bem, ultimamente, quando preciso rir ou incrementar minha tese sobre cinismo, sarcasmo e miserabilidade humana, tenho passado horas e horas lendo os Currículos de nossa velha e vivaldina elite intelectual. Até bilhetes e frases de boteco são inventariadas nele. O mesmo trabalho aparece vinte ou trinta vezes com títulos diferentes. A tese defendida há vinte anos atrás é desmembrada e transformada em outras cinquenta novas "produções". Bate papos em corredores de universidades, reuniõezinhas malandras, viagens de turismo, organização de abaixo assinados, consultorias fantasmas, discursos em plataformas de Departamentos, parágrafos em livros, homenagens recebidas no âmbito doméstico, fotos feitas com celulares, a tradução de cinco linhas, missivas às alunas e a jornais, palestras que nunca aconteceram, idas à Paris trocar figurinhas com outro espertalhão, monitoramento de teses ficcionais etc, etc, etc, etc, etc. Tudo está computado e registrado lá nos imensos e melancólicos curriculos dessa gente para fins exclusivos de mamatas e de complementos salariais. É desolador ver que até a ciência, a única que poderia vir a ser verdadeiramente subversiva, - segundo Lacan - está cercada por esse tipo de gente gosmenta e quase nada sincera. Que miséria!

Ezio Flavio Bazzo

quarta-feira, 6 de maio de 2009

SÃO BENEDITO: mon semblable, mon frère


Você que acredita ainda estar vivo em abril do ano que vem deve reservar dois ou três dias para ir à Aparecida do Norte assistir e participar da Festa em Homenagem a São Benedito. Uma mescla excitante de rituais sacros e de profanidades que vale a pena. Uma espécie de fusão entre a África e o Vaticano, entre o umbanda e o catolicismo. Ao invés das cantatas fúnebres dos eunucos romanos ou dos monges gregorianos, o batuque potente e frenético dos afros. Ao invés do silêncio sepulcral das catacumbas e das basílicas os instrumentos de percussão, as sanfonas e os chocalhos estremecendo as paredes e comandando o rebolado deslumbrante daquelas devotas. E São Benedito lá, imóvel e mudo em seu pedestal, certamente admirado com tanta energia, com tanto desvario, sacanagem e alienação.

As ruas repletas. As ladeiras febris. Gente de todas as cores empilhadas nas janelas e nas varandas dos prédios e dos hotéis. O batuque comendo solto. A dança, o rebolado, figuras exóticas carregando objetos raros. Cruzes, capelinhas, banners de santos, imagens, estátuas. Muitos sanfoneiros com cara de bebuns. Pandeiristas. Fitas, flores, rabequistas, chapéus, capas coloridas, rosários enrolados ao pescoço, cantigas e rezas. De vez em quando um foguetório. Milhares de cavaleiros desfilando soberbamente em seus pangarés. Um epiléptico e um cavalo caem de cara no meio fio. Os sinos. Um coroinha falando pelo alto falante. Os hoteleiros assistem eufóricos àquela selva de gente forasteira. Triplicaram os preços. Sessenta Euros por uma espelunca, colchão de espuma, travesseiro indescritível, fila imensa para o banheiro. Mas todo mundo feliz. Viva São Benedito! Viva Nossa Senhora Aparecida! Por coincidência os dois são negros. Confesso que senti certo prazer em ver aquelas filas de velhinhas brancas e racistas de todo o país beijando os pés de ébano do santo. Eis aí o milagre de fé! Viva são Benedito! Rogai por nós! Rogai por nós! Frase que vai ecoando pelas ladeiras. Os fotógrafos deliram. Os estrangeiros parecem hipnotizados. Comidas e cachaça por todos os lados. Centenas de ônibus chegando e trazendo verdadeiros exércitos de devotos. É o turismo geriátrico. Quase só velhinhas fingindo felicidade. Os homens já morreram, ou então são ateus e estão entrevados em casa ou numa enfermaria.

Os padres aparecem de vez em quando sempre rápidos, ladinos, tolerantes e manipuladores. Sabem conduzir muito bem o rebanho. Sabem que patíbulos, calabouços e masmorras prosperam sempre à sombra de uma fé, dessa necessidade de acreditar em algo que infestou o espírito para sempre. As procissões vão e vêm em círculos pela cidade, mas sempre ao redor da igreja do santo homenageado. Levantaram um mastro. Um quiosque vende água para ser benzida. Os tambores não param nestes dois dias de kizumba. Ninguém parece estar exausto apesar de todos terem saltado da cama às quatro da manhã, depois de cinco ou seis canhonaços, hora em que a igreja já estava em polvorosa. Rogai por nós! Rogai por nós! Palavras fúteis e sem sentido que se perdem na noite. Lá no alto a Grande Matriz de Nossa Senhora Aparecida, com suas múltiplas entradas que lembram o Grand Bazar de Istambul. Ouvi um padre comunicando aos fiéis que agora a Santa dispõe de um canal de televisão. Oh, São Benedito! Rogai por mim! Dai-me forças e ódio suficiente para manter-me sempre distante dos rebanhos e dos charlatães! Rogai por mim mon semblable e mon frère.

Ezio Flavio Bazzo

terça-feira, 5 de maio de 2009

O açúcar ou a cocaína do diabo


Até os mais viciados em açúcar (os conhecidos formigões pré diabéticos) ficaram surpresos com a notícia de que nem a Europa e nem os EEUU compram açúcar produzido no Brasil. Motivo: quantidades de enxofre incompatíveis com a saúde. E tudo autorizado pelos gestores da ANVISA.

É intrigante o descaso com esse veneno uma vez que já no século IX antes de J.C. Homero recomendava evitar a qualquer custo a pestilência do (sulphur) enxofre. Desse elemento que na Tabela de Pauling é indicado pela letra S e pelo número atômico 16, usado pelos chineses na confecção da pólvora, condensado na cabeça dos palitos de fósforo, usado no interior de baterias e que pode até funcionar como laxante. É provável que os usineiros e os burocratas até saibam que o enxofre é mais tóxico que o cianureto (a cápsula que Hitler ingeriu em seu bunker quando viu que estava arruinado) e que as tais chuvas ácidas são chuvas com alta concentração de enxofre. Devem saber também que em altas concentrações esse produto vulcânico reage com a água dos pulmões formando acido sulfúrico que provoca hemorragia e manda o sujeito para o inferno. Aliás, o enxofre sempre foi associado ao inferno exatamente porque mantém o fogo aceso e dá vigor às labaredas.

Que se poderia dizer então da "moral" e da ética de tais negociantes que para deixar o açúcar mais branco e comercializá-lo por um preço mais alto submetem a população a essa forma dissimulada de genocídio? E, pior, com a conivência dos órgãos estatais? Façam um exercício de lucidez e imaginem o que deve conter nos temperos, nos molhos, nos enlatados, nos leites, nos óleos, nos iogurtes, nas salsichas, nas mortadelas, nos queijos, nos biscoitos e em todas as porcarias que estão a venda a qualquer um nos quiosques de esquina. Os padres, os juízes e os moralistas em geral fazem tanto escarcéu quando se fala em suicídio e em eutanásia, mas isto não é uma forma descarada de matar e de matar-se, uma espécie de eutanásia liberada para todo o mundo, mesmo para aqueles que buscam neuroticamente pela longevidade?

Bom, como não há chance alguma das coisas virem a ser diferentes por aqui, pelo menos a partir de agora sabe-se que além do excesso de açúcar que as ignorantes garçonetes costumam colocar no nosso café, nos nossos sucos, na tarte aux pommes e até nas conhecidas e saborosas madeleines proustianas há também um excesso criminoso de enxofre, esse elemento de numero 16 que, como já disse, sempre foi associado ao demônio. Aliás, quem é que quando criança não ouviu uma beata afirmar que o inferno fedia a enxofre, mesmo aqueles gabinetes mais sofisticados que Dante não se atreveu a descrever?

Ezio Flavio Bazzo

domingo, 3 de maio de 2009

A greve de sexo das mulheres no Quênia e a pirocafobia universal


Não há nada de novo na greve de sexo que as mulheres quenianas resolveram fazer no principio desta semana. Segundo elas, em protesto contra os desentendimentos político sociais entre Raila Odinga (Primeiro Ministro) e Mwai Kibaki (Presidente do país). Enquanto os chefões não se entenderem, neca de licenciosidades. E digo que não há nada de novo nessa recusa, porque já no ano 411 a.C. Aristófanes tratou dessa exótica temática em seu Lisístrata. Lá também as mulheres fecharam temporariamente as pernas em protesto contra uma das guerras que estava em curso. Ou param com essa matança estúpida ou nada de licenciosidades, gritavam pelas ruelas de Atenas. Também a famosa deputada italiana Cicciolina (não faz muito) conclamou-se, não sei exatamente por que, em greve carnal. Libertinagem zero por tempo indeterminado.

“De agora em diante – dizia ela - ninguém mais poderá deter-me. Estou a partir de hoje, declarando-me em greve, e peço a todas as “Cicciolinas” da maioria silenciosa que proclamem a greve geral do sexo, que fechem suas pombas com um alfinete de fralda e aguardem até que os cretinos que estão no poder tenham terminado de masturbar-se. Eles se darão conta de que o verdadeiro paraíso está na terra, ao alcance de todos. Vamos em frente, meninas. Não tenham medo, porque nem os policiais com suas bombas de gás lacrimogêneo, nem o exército, a aeronáutica, nem a marinha, nem a guarda Suíça do Vaticano e nem o exército da salvação poderão nos obrigar a transar”.

Apesar da curiosidade sociológica desses exóticos acontecimentos, fica evidente nas suas entrelinhas a impressão de que sexo não faz parte do ideário feminino. Que o desejo é uma anomalia apenas masculina, que a libido não transita pela carne feminil e que, portanto, as mulheres, soberanas e frígidas, vêm pelos séculos afora apenas tolerando e servindo a seus machos como instrumento de gozo, lhes presenteando eventualmente o corpo para suas “depravadas e animalescas necessidades”. E, mesmo assim, sempre sob a precondição de se comportarem dentro do previsto e de serem muito, mas muito bonzinhos com elas. Oxalá não se oculte também na sombra desses protestos, dessas recusas e dessa "consciência política feminista" a velha e universalmente conhecida pirocafobia.

Ezio Flavio Bazzo

sábado, 2 de maio de 2009

Não teremos tudo demolido se não demolirmos inclusive as ruínas


Os donos de jornais, de televisões, de rádios e de outras das nossas “armas de desinformação de massa” estão eufóricos com a decisão do STF que jogou no lixo a velha e esdrúxula Lei de Imprensa engendrada pelos militares durante o período tresloucado da Ditadura Militar. Tanto os pastores da OAB como os vigários da ABI comemoram esse feito como uma CONQUISTA IMENSA DA DEMOCRACIA. Tudo bem. Idealizar e papaguear não é crime. Entretanto, acreditamos que ou há uma ingenuidade de fazer pena ou um mau caratismo desprezível nessa euforia, pois conhecendo as origens da imprensa no país e os donos atuais da mídia, a maneira como se fez as concessões nessa área, à promiscuidade entre mídia e seitas, mídia e governantes, mídia e o mundo empresarial, mídia e propaganda etc., não se deveria ser tão otimista assim.

É fútil e perigosa nossa tendência “bipolar” de transitar do queixume para o deslumbre sem grandes questionamentos. Com um caráter lusitano de base histeróide tendemos a pular cegos e eufóricos de uma ditadura a outra acreditando que se está fazendo a revolução ou pelo menos evoluindo. Já conhecemos a ditadura imperialista, a monarquista, a escravista, a médica, a clerical, a militar... Por que não experimentar agora a ditadura de imprensa? O totalitarismo dos alunos de letras e dos chefetes de redação? E pouco importa se a manipulação vier da imprensa palaciana, da imprensa sindical, empresarial, acadêmica, clerical etc., cada uma tem sua troupe muito bem adestrada e dezenas de emissoras pelo país afora cumprindo rigorosamente a obrigação de educar o populacho para o consumo e para a submissão. Odiamos com a mesma força tanto a ditadura fardada e burra como a ditadura civil esclarecida, pois tanto uma como a outra são ditaduras da passividade e da normalidade. E é importante saber que o tal Big Brother que já esteve vigilante lá na sacristia e lá nos porões, pode muito bem, e com a mesma eficiência deslocar-se para a sala de redação.

Não, o totalitarismo midiatico não é uma ficção impossível, principalmente quando se sabe que as pautas são quase sempre definidas por interesse dos chefões da empresa e que a auto-censura dos repórteres (para não perderem o emprego), é tão nefasta como a que era feita pelos odiosos mentecaptos do passado.
Quem é que não entende que é sempre um ato vil e tolo papaguear-se por trocar a prepotência armada pela onipotência cult ou vice-versa?

Enfim, a idéia é esclarecer que liberdade de imprensa não quer dizer necessariamente liberdade de expressão e muito menos incenso para a democracia. Para compreender isso, se você é um Zé Ninguém tente publicar uma opinião, uma crítica, um bilhete, um artigo na dita grande imprensa do país. Não conseguirás. A não ser que ele seja morno igual ao mijo de vaca, que seja de interesse dos donos daquele jornal, do stablishment que o sustenta e, principalmente, que não fira a “honra” das corporações, nem de seus anunciantes, que não coloque em dúvida nenhum dos cânones medievos que essa sociedade bovina faz questão de cultivar.

- Ah, mas vão dar direito de resposta aos caluniados?
- Ah, mas os juízes vão criar jurisprudência quanto às indenizações para danos morais?

Ora, não sejamos idiotas. Que se fodam os danos morais! Que se fodam as indenizações! O que nos preocupa e nos encoleriza é ter que seguir vinte e quatro horas por dia sob o fogo cruzado desses especialistas em propaganda enganosa e, o pior, a vida inteira submissos ao suposto saber dessas máfias.


Ezio Flavio Bazzo

Recomendo assistir o seguinte video: http://www.youtube.com/watch?v=_QSQ__mmwyU

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Primeiro de(s) maio


Hoje é o dia em que milhões e milhões de demi escravos do mundo inteiro são manipulados por seus partidos e autorizados por seus amos a deixarem os crachás e as algemas de lado para lembrarem os Mártires de Chicago e para comemorarem os supostos avanços e as supostas conquistas no mundo do trabalho. Não é difícil encontrar por aí servos voluntários ou sindicalistas gorduchinhos e desvairados cacarejando chavões de 1886 e regozijando-se ingenuamente de que das odiosas quinze horas (industriais do passado) se passou para doze, depois para dez, mais tarde para nove e finalmente para oito. Oito horas confinados num Ministério, numa fábrica, numa empresa qualquer, com salário fixo, com vale transporte, com estabilidade, com direito a oitenta minutos para almoço e com benefícios funerários... Isto não é a glória? Graças a Deus!

Critico mas não nego que sempre assisti com uma espécie de fervor as manifestações de Primeiro de Maio dos anos 70 e 80 pelo mundo afora. As de Moscou eram inconfundíveis. As da China inesquecíveis. As de Paris sempre pareciam réplicas da de 1889. A de Roma tinha além do charme das Brigadas Vermelhas e da benção do Papa, os trabalhadores beatos levando numa mão a obra de Cafiero e na outra a última Encíclica. A Albânia. Cuba com o discurso febril e religioso de Fidel Castro. Mas a do México sempre foi a mais fascinante de todas. No meio dos discursos transtornados daquela gente sempre havia alguém comendo tortillas, gritando pelo nome de Pancho Vila, sacando uma pistola e a descarregando para o alto. Assisti essa festa também em Buenos Aires, nunca esqueci aquele povo culto, melancólico e doentiamente nacionalista tendo crises histéricas diante da Casa Rosada. El Trabajo! El Trabajo! Queremos Trabajo! Mesmo os que haviam lido o ELOGIO À PREGUIÇA do genro de Marx, passavam o dia gritando diante dos palácios: Queremos Trabajo! Queremos Trabajo!

Não, hoje não se vê mais nada parecido aos espetáculos varonis e delirantes daqueles tempos. De vez em quando descubro algumas bandeiras tremulantes num semáforo ou mesmo ali na Esplanada dos Ministérios. Fico curioso, mas quando me aproximo vejo que são os Filhos de Jeová, os Militantes da Igreja do Reino de Deus, uma manifestação gay, ou mesmo sete ou oito adolescentes fazendo propaganda para a Citroen ou para a Casa da Banha. O tédio é bem mais denso do que se imagina. Os locais de trabalho na atualidade ou são pequenas prisões regidas pelo acosso moral ou pequenos manicômios disfarçados pelo otimismo e pela irmandade. O que se ganhou em tempo se perdeu em saúde, em libido e em dignidade. Por isso, quando cruzo com alguns desmiolados querendo comemorar alguma coisa nesta data lanço-lhes logo na cara as palavras do velho Vargas Vila: “Não me venham gritar e fazer gestos de liberdade sacudindo no ar vossas correntes! Eu não lhes concedo o direito de cidadania na urbe do pensamento.”

Ezio Flavio Bazzo